Sobre "O oportunismo e o muro das Lamentações"
Eu, Haydée, que não sou militante do movimento LGBT permito-me opinar sobre a questão da eleição dos representantes no Conselho Municipal de Atenção à Diversidade Sexual da Cidade de São Paulo. Isso o faço até mesmo porque o que vejo, de fundo, não é uma discussão sobre Diversidade Sexual, mas sim, prática democrática. Explico melhor… Vejo, nas formas de organização política algumas possibilidades: enquanto parte do aparato Estatal, submetendo-se a alguma burocratização ou fazer militância enquanto movimento social e é aqui que se encaixa o caso em questão. Nos processos eleitorais, há o discurso daqueles que reivindicam para si uma legitimidade justificando-se quase que por um banco de horas de militância, carreira política, ou mesmo um certo “curriculum”.
À primeira vista, até parece justo – afinal vivemos, convivemos e reproduzimos essa lógica pseudo-meritocrática. Entretanto, vê-se o quão excludente passa a ser essa lógica do “merecimento”. Bem, quem mede esse merecimento? Quem avalia? Ao cabo, quem vota? Se forem apenas aqueles que também militam, que também devem ter algum acúmulo de funções militantes exercidas, acaba-se privilegiando-se esse grupo, fomando o famoso jargão “vanguarda”. Outra possibilidade é que, em eleições em que qualquer um pode inserver-se e votar, tenhamos mais candidatos e candidatas, bem como votantes – tornando-se assim mais legítimo. Achar que um número menor de pessoas são mais representativas por serem mais “qualifiicadas” é análogo à defesa pelo voto apenas àqueles com certo nível de escolaridade. Afinal, se ao qualificar o colégio eleitoral, incrementa-se a legitimidade, por que dar a um cidadão ou a uma cidadã comum, analfabeto(a), com sua opção sexual, o direito de escolher seu representante? Seja em que fórum for, eu não acredito em vanguardas, especialmente quando elas nascem do vício que é acreditar que o voto de alguém vale mais do que o de outro alguém.
Acredito que niniguém melhor que o próprio indivíduo para expressar suas vontades, desejos e necessidades. Dessa forma, entendo que assegurar representatividade a todas as letrinhas é importante para sua representação, afirmação e visibilidade. Se alguma cadeira permaneceu vazia, talvez o problema não esteja no processo eleitoral, mas na formação das pessoas para a participação política. Optar por processos eleitorais em que não tenha nenhuma cadeira vazia é ideal, mas essencial mesmo é a garantia de representatividade. Um gay pode defender interesses dos transexuais? Óbvio que pode. Assim como homens podem defender interesses feministas e como ruralistas podem defender interesses dos sem-terra. Mas, historicamente, é o oprimido, a partir da tomada de cosnciência de sua condição, que torna-se sujeito histórico e protagoniza mudanças.
A seguir, um texto produzido Dária e Cristiano, militantes do movimento LGBT a respeito de como foi o processo.
Por Dário Neto e Cristiano Valério, representantes gays no Conselho Municipal de Atenção à Diversidade Sexual da Cidade de São Paulo.
Novembro de 2007– em uma tarde de domingo, na sede do CORSA, reúnem-se ativistas da capital de São Paulo para a escolha dos e das representantes da sociedade civil no Conselho Municipal de Atenção à Diversidade Sexual. Conta-se trinta pessoas naquela reunião, não mais, talvez menos. A divulgação dessa escolha deu-se apenas na lista eletrônica do Fórum Paulista, única organização definida para ser a responsável pelas indicações. A escolha, aos moldes de processos eleitorais viciados, deu-se por meio de alianças e conchavos para programar uma eleição esquemática – os resultados eram os esperados. Nada novo no Froint.
Abril de 2010– Auditório da Secretaria Municipal de Participação e Parceria da Cidade de São Paulo. Vinte e sete candidatas e candidatos para disputar a representação da sociedade civil no Conselho Municipal de Atenção à Diversidade Sexual. Mais de cento e quarenta pessoas de todas as regiões da capital paulistana se fizeram presentes para eleger seus representantes. A divulgação dessa eleição foi ampla, por meio de todos os contatos eletrônicos da CADS, pelo Diário Oficial, pelo site da Prefeitura e entre a militância paulistana. Se as diferenças entre essas duas eleições não se tornam perceptíveis para fundamentar a motivação dos que consideram o processo eleitoral de 2010 um avanço democrático na participação da população LGBT paulistana – os números falam por si só – então, talvez vale observar que o processo arrancado das garras de um Fórum, devolveu às e aos paulistanos a autonomia em organizar as eleições de seus representantes e candidatar-se bem como votar nas representações que reconhecem como legítimas.
Reparem bem: de um órgão privado e, atualmente, partidarizado, o processo passou para as mãos de um órgão público: o próprio Conselho em parceria com a CADS, outro órgão público do Município de São Paulo. Além disso, o processo mostrou que os Conselhos e as representações da sociedade civil não devem ser de participação exclusiva da militância, mas de toda população LGBT paulistana, com toda sua diversidade e problemas, a qual, como representada, tem o direito de escolher quem a representa. Em outras palavras: a diferença aponta para o amadurecimento da democracia ainda comprometida na cultura LGBT do Brasil. E todo amadurecimento traz novos problemas e novos autores que certamente proporão novas alternativas de solução desses problemas.
Há, de fato, problemas, quando se trata de representação LGBT nas chamadas letrinhas. Contudo, alguns, por meio de artimanhas discursivas, têm esfumaçado o debate e tentado confundir a população por meio de habilidosas distorções para garantir o engessamento da representação e colocar representantes neste conselho que apenas os favoreçam em disputas que nada interessam à população LGBT paulistana. Como esse projeto fora derrotado em reunião do Conselho pela maioria de seus membros, os quais legitimamente alteraram o regimento eleitoral, resta a esses vir distorcer fatos e esconder os reais motivos que justificam suas práticas políticas.
Mas vamos aos motivos: para exemplificar essa falácia, esses mesmos que lamentam o processo eleitoral do Conselho Municipal de 2010 expresso no tendencioso texto A vazia sopa de letrinhas, publicado como pensata no site Mundo mais, operaram uma eleição no dia 06 de dezembro de 2009 para a nova Coordenação do Fórum Paulista LGBT, sem critérios definidos e a toque de caixa, no mesmo final de semana em que aconteceria o Seminário Nacional de Lésbicas, em Rondônia, e o ENTLAIDS, no Rio de Janeiro, isto é, quando militantes mulheres lésbicas e bissexuais, bem como travestis e transexuais do Estado de São Paulo não estariam presentes para tal eleição. Esses que reivindicam o debate de gênero como determinante para a escolha dos representantes da sociedade civil no Conselho Municipal, na realidade, lamentam a derrota que experimentaram ao, propositalmente, tentarem esvaziar o espaço do Conselho para não se verem derrotados no voto e, sem obterem sucesso, tiveram que amargar o resultado positivo desse processo eleitoral. A falácia em torno das questões de gênero defendida por tais lamentadores como elemento unificador da população LGBT contra a dita “sopa de letrinha” é tão ridícula e hipócrita que basta o leitor fazer um simples cálculo das duas opções e ver na prática a quem caberá o maior predomínio na representação LGBT.
O Conselho Municipal de Atenção à Diversidade Sexual têm atualmente doze representantes titulares da sociedade civil e seis suplentes, totalizando dezoito cadeiras, as quais se dividem pelo segmento de lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis e transgêneros, tendo cada segmento dois titulares e um suplente. Se, na tão criticada “sopa de letrinhas”, os gays têm uma sexta parte da representação da população LGBT, isto é, dezesseis por cento, na divisão por gênero, em que os representantes se diferenciam apenas como masculino e feminino, defendida por eles, essa representação gay passaria a ser de cinqüenta por cento, considerando que temos poucos transexuais e bissexuais masculinos militantes, espremendo as lésbicas, travestis, transexuais, mulheres bissexuais e transgêneros nos outros cinqüenta por cento.
Em números: se o projeto deles em alterar o critério identitário para o de gênero tivesse vingado, de três representantes gays, esse número subiria para nove, reduzindo o total das outras representações, isto é, enquanto gays teriam nove cadeiras, lésbicas, travestis, bissexuais, transexuais e transgêneros, teriam de dividir entre si as outras nove representações da sociedade civil. O democrático debate sobre gênero, que deve ser pautado sem dúvida alguma, mas com responsabilidade, torna-se nos discursos oportunistas um método de perpetrar a dominação masculina de militantes homens oriundos de experiências políticas sindicais ou de movimento estudantil contra mulheres vítimas de uma massacrável cultura opressora que as tolhem do espaço público e da participação política em nosso sociedade. O texto de autoria desses dois malfadados projetos de caciques do movimento LGBT paulista simboliza o Muro de Lamentações desses que, por tentarem, mas não conseguirem, tornarem-se rei Ciro da cidade de São Paulo, querem agora desesperadamente interpretar o papel de profeta Jeremias em suas profecias apocalípticas que não passam de lamentações, pois os mesmos perderam espaço para a população LGBT paulistana nos lugares reais de participação política (como o é e deve sempre ser o Conselho Municipal). Essas profecias apocalípticas mascaram a falta de coragem de ambos ao não lançarem suas candidaturas com medo de sofrerem uma merecida derrota no voto, uma vez que os mesmos não são reconhecidos como representantes pela população LGBT na cidade onde moram e não militam.
Denunciamos essa falácia, pois queremos na cidade de São Paulo um movimento autônomo e livre de qualquer orientação partidária, queremos um Conselho onde as reais necessidades da população LGBT sejam tratadas, queremos garantir a representação legitimada pela própria população LGBT e não por pseudo-militantes, queremos um real debate sobre questões de gênero e sobre a prática machista presente nos movimentos sociais, principalmente no movimento LGBT e, para tanto, conclamamos a população LGBT paulistana a participar dos espaços do Conselho Municipal, trazendo questões e contribuindo na construção de reais políticas públicas que beneficiem nossa população.
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