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Executivo, Legislativo e Medida Provisória

O artigo 62 da Constituição Federal de 1988 que estabelece que “em casos de relevância e urgência o presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força da lei, devendo submetâ-las de imediato ao Congresso Nacional que, estando em recesso, será convocado extraordinariamente para se reunir no prazo de cinco dias” sofreu alteração pela Emenda Constitucional de 2001 (http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/anotada/10204319/art-62-da-constituicao-federal-de-88), mas mesmo assim manteve seu espírito de conceder ao Executivo o poder de alterar a agenda legislativa unilateralmente.

A constituição de 1946 não previa essa prerrogativa do Executivo, tal caráter foi herdado dos decretos-leis do período da ditadura militar. Há duas correntes justificativas para isso. A primeira fundamenta-se na necessidade de conferir agilidade na construção da agenda legislativa num mundo globalizado e com uma sociedade cada vez mais complexa – exemplos comuns são as respostas em forma de medidas provisórias nascidas no Executivo em resposta às crises financeiras internacionais. A outra justificativa, mas fraca ao meu ver, é que a maior parte da constituições escritas no pós-Segunda Guerra prevêem algum tipo de decreto (CAREY & SHUGART, 1998).

Porém a frequência com que as medidas provisórias vêm sendo utilizadas indicam que ao invés de ser um recurso usado pelo Executivo mediante um contexto de urgência ou extraordinário passou a ser trivial e também o principal canal pelo qual o Executivo legisla. Cox e Morgenstern (2002) afirmam que quanto maior é o uso presidencial de mecanismos unilaterais, mais fraco é o presidente, com menos coalizão conta nas casas legislativas. Assim, a MP passa a abrir espaço que talvez não fosse aberto às iniciativas do Executivo – isso porque como a MP entra em vigor no ato da promulgação há uma pressão para a aprovação pelo Congresso no espírito de “fato consumado” já que sua rejeição não leva necessariamente à situação anterior de sua promulgação pois ficou vigente no período de avaliação pelo Legislativo.

Por outro lado, se desta forma o Executivo pauta o Legislativo, por outro lado é prerrogativa do Congresso Nacional ou não admitir a MP, nem dando início à tramitação, ou não aprovar o seu mérito. Entretanto, raramente o Congresso não admite ou não aprova uma MP. Outros fatos a considerar é que é o Congresso pode emendar uma MP e também é quem dá consequência à medida provisória (regulamentações). Mas se as MP frequentemente são aprovadas e sua regulamentação instituída, percebe-se que a separação de poderes não implica divergência de posições, estas alinhadas em momentos anterior ao das eleições nos partidos (LIMONGI & FIGUEIREDO, 2005).

Portanto, os partidos acabam por ser os entes que mais asseguram a convergência entre os poderes – o presidente cujo partido contar com maioria no Legislativo terá menores resistências seja na apresentação de um PLO (Projeto e Lei Ordinário) ou de uma MP. A análise congressual de Cheibubm, Figueiredo e Limongi (2009) no período de 1989 a 2006 aponta para a grande influência dos partidos políticos nos votos individuais dos congressistas. Por fim, se por uma lado ocorreu a banalização do uso das Medidas Provisórias com o intuito corriqueiro de interferir na agenda política do legislativo, por outro, a coalização governamental não se sustenta apenas por isso mas principalmente pela maioria partidária (e coligações).

CAREY, J.M.; SHUGART, M.S. “Executive Decree Autority: Calling Out the Tanks, or Just Filling Out the Forms?” Cambridge, University Press, 1998.

CHEIBUB, J.A.; FIGUEIREDO, A.; LIMONGI, F. “Partidos políticos e governadores como determinantes do comportamento legislativo na câmara dos deputados 1988-2006”. Dados, vol.52, no.2, 2009.

COX, G.; MORGENSTERN, S. “Legislative Politics in Latin America”. Cambridge, University Press, 2002.

LIMONGI, F.; FIGUEIREDO, A.;  “Medidas Provisórias” In: Reforma Política e Cidadania. São Paulo, Editora Fundação Perseu Abramo, 2005.