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Hackathon de Gênero – start dado

Na última quarta-feira (14/maio) participei de uma reunião no LabHacker da Câmara dos Deputados para discutir sobre a realização de um Hackathon de Gênero na Câmara dos Deputados.

No começo, ficamos tentando acertar comunicação com pessoas que não puderam ir a Brasília mas que estavam dispostas a participar e ajudar a construir uma Maratona Hacker com essa temática. Começamos com uma rodada de apresentação que, considerando a quantidade de pessoas que tivemos*, foi bem pragmática e rápida. Por fim, a Raquel do LabHacker colocou a pauta e começamos a reunião.cdep_hackathon_genero

Eu comecei falando um pouco do que é ser hacker, ou melhor, falando o que um hacker não é. E porque isso é importante, porque essa abordagem é relevante (ao menos para mim)? Porque trata-se de uma disputa de significados, porque trabalha o limite da conceituação e da ressignificação recorrentemente. Para mim é uma disputa análoga à que ocorre com a palavra vadia pelo movimento feminista (ou parte dele). Ao ponto então, hacker não é sinônimo de criminoso. Se sou hacker isso não significa que invado sistemas, que infrinjo leis, nem mesmo que eu saiba codar. Isso mesmo, o termo nasceu da área da programação mas ganhou amplitude e é nessa amplitude de significado que me identifico. Hackers são pessoas que têm curiosidade por entender algo sincera e profundamente. Esse algo pode ser um sistema eletrônico, pode ser um motor, pode ser uma cidade, pode ser a política.

Porém, num mundo em que a cultura do obscurantismo é cultivada, ser curioso e querer entender como funcionam as engrenagens de um sistema (seja qual for) pode ser entendido como crime. O obscurantismo está em oposição à transparência, palavra mágica da moda também objeto de disputa. A questão para mim é que não quero viver num mundo de subterfúgios e necessário burlamento de regras, entendo que os conflitos devem ser públicos para que mutuamente decidamos a legitimidade acerca dos assuntos. Nem para mim nem para as futuras gerações desejo um mundo obscuro, de regras não ditas, e por isso milito em prol da transparência (especialmente a pública), às claras. Por isso faço parte da Transparência Hacker. thacker-feat

“Hackers resolvem problemas e constroem coisas, e acreditam na liberdade e na ajuda mútua voluntária.” (Raymond por Rafael)

As deputadas fizeram falas inspiradoras e registro aqui não todas, mas dois pontos que me marcaram. O primeiro foi em relaciona-se a uma frase que falava da importância da pressão de organismos internacionais sobre o Brasil pois “eles fazem com que nossos governantes se não compreenderem por convicção, que compreendam por necessidade” a relevância e urgência no tratamento da questão da violência contra a mulher. Uma vítima é violentada por minuto no Brasil, então se você ler em média 1100 caracteres por minuto, ao fim deste texto 8 pessoas terão sido vítimas de violência. Houve enorme convergência em torno deste ponto: a urgente necessidade de se combater a violência contra mulher. E quase que o Hackathon fecha o foco sobre isto.

Ainda bem que não o fez… (?!) Explico-me. Um  sobre violência contra a mulher é ótimo, mas fecha demais o foco ao meu ver. Um Hackathon de gênero é mais amplo em temática primeiro porque gênero, é um conceito em mutação e isso não é ruim. Scott já apontava ser uma categoria útil de análise histórica, mas que ainda lida com a dualidade masculino/feminino. Butler, por sua vez, critica o uso da categoria gênero pois entende que “aprisiona o sexo em uma natureza inalcançável à nossa crítica e desconstrução“. As pessoas trans finalmente conseguiram identificação com alguma teoria acadêmica acerca de sua condição no mundo, considerando fundamentalmente o conceito de performatividade. Nossa sociedade ainda funciona muito na lógica dual e isso não deve ser desprezado, entretanto, estar consciente de que a proposta de uso da palavra gênero é para abrir mais à participação, compreendendo que vítimas de violência pode ser a mulher, cis, heterossexual, ou a transsexual, ou a bissexual.

É preciso também ampliar o escopo da palavra violência, as relações de poder que garantem a produção e reprodução da violência também precisam ser exploradas. Quantas deputadas temos mesmo na Câmara dos Deputados*? 57 em 583 (~8,9%) na legislatura que se encerra em breve. Quantas mulheres temos no STF? Somente 2, dentre 11, perfazendo (18%). E assim eu poderia exaustivamente apontar números que corroboram o fato de que mulheres são minoria em posições de tomada de decisão, não apenas no âmbito da carreira pública, mas também na iniciativa privada.

O outro ponto da reunião que me marcou foi a demanda das deputadas por entender mais de tecnologia e de mídias sociais. Ficando aí apontada já uma ação possível para o LabHacker trabalhar: RodAda Hacker para deputadas e acho que deveria haver também para servidoras da casa. Ah,vou adiantar para quem ficou com preguiça de clicar no hiperlink: RodAda Hacker são oficinas para “mulheres que querem aprender a programar projetos web, além de trocar, compartilhar e construir projetos incríveis na rede – um dia inteiro de mão-na-massa para quem quer aprender fazendo e se divertindo!” Propaganda feita, crédito dado à idealizadora Daniela Silva, é preciso que façamos isso rolar mesmo no LabHacker, que por enquanto só conta com a Raquel de representante feminina por lá.

Eu e a Nessa, do MariaLab, apresentamos alguns projetos à deputadas para materializar as potencialidades que uma maratona de programação pode trazer:

Radar Parlamentar: objetivo fazer uma análise gráfica da participação de mulheres e homens na Câmara Federal. Isto é, pode-se observar as participações feminina e masculina na casa legislativa, seja do ponto de vista quantitativo, seja do ponto de vista qualitativo.
Circle of 6: um aplicativo em que é possível selecionar uma rede de contatos próxima (6 pessoas) que serão acionados caso necessário, seja para ir buscar em algum lugar que precise porque se sente insegura até acionar polícia/ou outro nº programado em caso de violência.
Chega de Fiu Fiu: campanha criada para lutar contra o assédio sexual em locais públicos, mas quer também lutar contra outros tipos de violência contra a mulher.
HackDay Direito da Mulher: Um hackday é um evento para colocar a mão-na-massa, abrir os sistemas existentes, entender como eles funcionam, reverter mecanismos para que funcionem em favor das causas que apoiamos. Durante o HackDay Direitos da Mulher, foram explorados os dados da polêmica pesquisa do IPEA, bem como os decorrentes comentários surgidos nas redes sociais.
Edit-a-thon das Mina: uma maratona de edição das páginas na Wikipédia de grandes mulheres.

Objetivamente o que se encaminhou foi:

1) Haverá o Hackathon e ele conta com apoio das deputadas da bancada feminina

2) Haverá uma trilha geral sobre legislativo e uma trilha temática sobre gênero

3) Depois do resultado do Hackathon, haverá chamada para o Concurso sobre a Lei Maria da Penha, com a produção de aplicativos sobre o tema da lei (combate à violência contra mulher).

4) Indicativo de data: segunda quinzena de novembro de 2014
(já opinando, acho que não deve ser na semana que inclui o dia 20/nov pois isso acaba sendo concorrencial com o movimento negro)

Por fim, vale pontuar que tivemos dificuldades técnicas para comunicação via vídeo-conferência, mas que podem ser relevadas já que o Laboratório é um espaço novo, com meses de vida, e está engatinhando…

Abaixo, a lista das pessoas que puderam estar presentes e a quem agradeço a sororidade.

Deputadas
Deputada Jô Moraes (PCdoB/MG) – Coordenadora da Bancada Feminina
Deputada Rosane Ferreira (PV/PR) – 1ª Coordenadora Adjunta da Bancada Feminina
Deputada Erika Kokay(PT/DF) – 3ª Coordenadora Adjunta da Bancada Feminina
Deputada Janete Rocha Pietá (PT/SP)
Deputada Rebecca Garcia (PP/AM)
Deputada Keiko Ota (PSB/SP)

Assessorias
Joseanes dos Santos – Assessora Dep. Janete Pietá (PT/SP)
Marcela Travassos – Assessora da Dep. Erika Kokay(PT/DF)
Mariana – Assessora da Dep. Luiza Erundina (PSB/SP)

Câmara dos Deputados
Cássia Botelho – Diretora Geral Adjunta
Maria Raquel Melo – Laboratório Hacker
Cristiano Ferri – Coordenador do Laboratório Hacker

Equipe Secretaria da Mulher
Lin Israel – Chefe de Gabinete
Gerson Scheid – Comunicação
Talita Silva – Assessoria Comissões
Clara Monteiro – Eventos
Marília Ribas – Jurídico
Candyce Rocha – Assessoria Política / Relações Institucionais

Movimento Hacker
Haydee Svab,THacker, PoliGNU e PoliGen (SP)
Kamilla, Barco Hacker (PA)
Karine, psciológa que trabalha com gestão de pessoas na área de TI (DF)
Carine, do HackerSpace Garoa Hacker Clube (SP)
Nessa Guedes, do HackerSpace Maria Lab (SP)
Salete, professora do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Maranhão (MA)
Claudia Archer, professora da Universidade Ceuma (MA)
Larissa, pesquisadora da Incubadora de Políticas Públicas da Amazônia (PA)
Luciano Santa Brígida, Thacker (DF)

Banco Mundial
Boris Utria – Diretor de Operações do Banco Mundial para o Brasil
*Deputados – o nome da Casa Legislativa grafa-se no masculino, alguns dirão que o masculino engloba homens e mulheres só que muitas mulheres não acham que essa linguagem lhes é pertinentes, eu também não.

Como se ensina a ser menina

como_ensina_ser_meninaComo se ensina a ser menina – o sexismo na escola” de Montserrat Moreno é um livro curto e contundente. Tem como principal objetivo demonstrar que existe sim uma educação sexista nas escolas, mesmo quando isso é negado ou ignorado. Mas se engana quem acha que é mais um livro que critica e que deixa-nos abandonados em meio de uma crise ao seu final. Não é assim, Moreno aponta saídas e mudanças possíveis – e mesmo necessárias – mas não entrega fórmula mágica, pronta e de final feliz como muitos ávidos consumidores esperam do modelo hollywoodiano de consumo cultural.

Ela começa pincelando aqui e ali como se dá a construção da noção de gênero, que ao contrário do sexo, não é nato nem determinado biologicamente. A introdução é recheada com exemplos vindo da antropologia. Daí engancha-se a discussão sobre o papel da Escola na modelagem de comportamento de meninas e meninos e ela explora de forma bastante clara como a Escola transmite conceitos sexistas, reproduzindo um discurso não dito que reforça que mulher é um elemento social de segunda categoria. Ela demonstra como isso ocorre falando um pouco do currículo de história – onde estão ou estavam as mulheres nos livros de história? Atividades diversas as mulheres exerceram, então onde e por que esconderam a narrativa dessas vidas?

“É verdade que guerras, intrigas e crimes marcam nossa história, mas não é menos verdade que, se nossos antepassados tivessem se limitado a essas atividades, não estaríamos aqui para ler sua narrativa. Por que se priorizam tanto essas atividades?”

A autora explora também como passamos mensagens através da linguagem. Uma menina aprende que existem marcador de linguagem para quem vai dirigir-se a ela, a declinação de gênero. Também o faz o menino. Mas se são várias crianças, docentes referem-se a “eles” na maior parte do tempo e raramente a “eles e elas” e, geralmente, nesta ordem. Aprendemos muito pela linguagem, aprendemos simbolicamente que num conjunto misto devemos aceitar como normal a invisibilização e quando muito, aparecer assim, enunciadas, mas nunca na posição primeira, de destaque.

Além da mulher não ter história e também ter espaço secundário ou inexistente na linguagem, também é discutido um pouco como o sexismo passa por todo o conteúdo escolar, inclusive os mais “objetivos”, ou seja, aqueles pertencentes ao campo das ciências ditas exatas. Moreno pontua:

“O rendimento intelectual que se espera das meninas é sempre inferior ao que se espera dos meninos (…) As explicações que têm sido dadas são te todos os tipos. (…) Edward Clarke assegurava que as meninas não deviam ser pressionadas a estudar porque, se o seu cérebro fosse obrigado a trabalhar durante a puberdade, esgotar-se-ia o sangue necessário na menstruação.”

Ela expõe muitas das baboseiras que historicamente foram argumentos válidos e importantes contribuintes para a nossa atual visão do que é “ser mulher” e o que é “ser homem”. Dando-se conta do sexismos existente no currículo explícito e no oculto a reação de muitas(os) professoras(es) é querer erradicá-lo. Muitas(os) profissionais da educação então convencem-se que erradicaram o sexismo de suas aulas “porque tratam igualmente as meninas e os meninos” – será que isso conduz ao objetivo almejado? Será que a liberdade é plenamente exercível na nossa sociedade? Não seria utópico demais querer saltar fora de um modelo bem conformado em que mulheres são sensíveis e frágeis e homens são fortes e não podem chorar?

Enfim, “se falta algo às mulheres, como grupo, são utopias”: boa leitura!

A experiência deste Hackathon na Câmara dos Deputados

A ideia de entrar neste Hackathon nem é para ganhar e isto pode parecer estranho à primeira leitura – mas é verdade. A esta hora da madrugada (a poucas horas da apresentação do projeto) estamos com só 1 gráfico de 6 pronto e, bem, não ganharemos… hehehe.

Então para quê estou aqui? Para que estamos aqui eu, Diego e Andrés?
Bem, o nosso projeto Gênero & Participação tem como objetivo investigar a participação de homens e mulheres na casa legislativa, qual é a divisão proporcional e absoluta e se existe um certo perfil de temáticas que é mais de afeição de mulheres do que de homens, ou vice-versa.

Em cinza a participação de homens e em vermelho a participação de mulheres nas legislaturas ao longo da vida da Câmara Federal.

Em cinza a participação de homens e em vermelho a participação de mulheres nas legislaturas ao longo da história da Câmara Federal.

Nessa história precisamos de muitos dados e entre os principais figuram as biografias e as proposições de parlamentares. Aí a ideia é verificar percentuais de mulheres e homens ao longo da história tanto no total da casa como por partidos, e ainda poder comparar partidos nesse quesito dado um ano específico. Para além de mapear e explicitar visualmente a parca participação feminina seria interessante averiguar se há pautas que são mais comuns a um gênero do que a outro. Para tanto, precisamos do ID parlamentar (forma com que o banco de dados identifca um(a) parlamentar) e de características das proposições, em especial suas palavras-chaves. Com estas palavras, e entendendo sua lógica de atribuição, queríamos identificar macro-temáticas e verificar se havia algum tipo de divisão de gênero nas proposições. As ideias são lindas e os dados também, mas às vezes eles não se encaixam tão bem, nem tão rápido…

Nossas primeiras demandas de dados (ainda na terça-feira, 1º dia da maratona) foram: biografias, proposições e taxonomia das palavras de indexação. Nossa primeira empreitada foi tentar entender a indexação, aí o Daniel* nos levou à Ana Paula* que explicou-nos um pouco do processo de indexação: uma proposição entra no sistema pela Secretaria Geral da Mesa (SGM) e depois recebe um sem-limite número de palavras. Existe um “dicionário” de palavras para auxiliar os servidores chamado Tesauro que estabelece quais são as palavras autorizadas, as sinonímias e as hierarquias. Para entender o que uma palavra autorizada significa, imagine uma proposição que queria legislar sobre nossos emails. Essa proposição não pode receber a palavra “email”, mas deve receber a expressão “correio eletrônico”. Ou seja, a lista de palavras autorizadas serve para uniformizar a linguagem e é mutável com o tempo. Daí fomos ao Centro de Documentação e Informação (CEDI) e conversamos com a Katiúcia* que nos explicou a estrutura do órgão e também nos mostrou como usuária o Tesauro o SilegDep.

O Tesauro foi uma das bases mais “fáceis” de conseguir (chegou na quarta-feira, 2º dia da maratona) mas descobrimos que ela não nos serve… sinceramente a achamos insuficiente/pobre. Os relacionamentos que a base proporciona não conduzem a temas correlacionados e conduzem a certas hierarquias superiores que às vezes nos fazem perder o significado semântico que nos interessa. Exemplo: a palavra “mulher” tão tem palavras abaixo de si, nem acima, porém, relaciona-se com a palavra “cônjuge” em mesmo nível, que por sua vez está abaixo do termo “direito de família”. O mesmo ocorre com a palavra homem. Ao procurar a palavra “mãe” ratifica-se o fato de que esta não está relacionada com mulher. Nem gravidez. Nem violência doméstica. Deu para perceber que a taxonomia não ia nos ajudar no sentido de formar grupos de palavras que representassem determinadas temáticas, certo? Assim, foi interessante conhecer o Tesauro mas resolvemos que faríamos a contagem das palavras-chaves constantes na indexação das proposições e faríamos a análise a partir daí. Trata-se de uma análise mais automática do que pensávamos e com menos riqueza semântica, mas é o que é possível ser feito.

Então, bastava ir ao XML, buscar as proposições e começar a trabalhar com as palavras-chaves para os gráficos nascerem… Contudo, descobrimos que a base de dados de que dispúnhamos não contava exatamente com o campo das indexações. Ok, avisamos isso a Centro de Informática da Câmara (CENIN), pedimos que essa base fosse completa e fomos atrás das biografias. Lá estavam elas, lindas, com fotos e histórias das pessoas que fizeram muito da nossa história. Procuramos pelo campo sexo e nada… Procuramos por gênero e nada… Parece trote de faculdade? Não, foi verdade mesmo. Esta base também tinha tudo menos os campos primários que precisávamos. Avisamos este fato também e novamente pedimos completude da base. A esta altura já estávamos na quinta-feira e já faláramos com o Claudio*, o Rodolfo* e o Carlos* do CENIN. Confesso que pressionamos mesmo os funcionários. Sim, esse é o nosso papel. Estamos numa maratona, numa imersão de programação na casa que felizmente se abriu para a cultura hacker. Nosso papel é fazer o máximo possível para que nossa presença aqui deixe alguma marca e abra espaço para alguma mudança. Não é nossa função passar inócuos, pois se assim o fosse, por que estaríamos aqui? Por que voltaríamos aqui? Ainda na saga dos dados é preciso dizer que sabemos que muitas vezes há vontade do corpo técnico em colaborar, há competência para isso. Mas é preciso de autorizações burocráticas cujo fundo é político.

E falando em política, destacado foi o contexto político que nos rodeou estes dias. Visitamos os plenários da Câmara e do Senado exatamente em 29/outubro/2013, quando nossa Constituição Federal fez 25 anos e cuja comemoração vai além disso per si e representa a comemoração do período democrático contínuo mais longo da história do nosso país. Foi uma sensação muito contraditória “comemorar” o aniversário de um quarto de século da Constituição Cidadã que veio brindar-nos com democracia e direito de expressão em dois plenários que continham as seguintes instruções a cidadãos(ãs) nas galerias: “proibido manifestar-se”. Além disso, só eu acho uma enorme contradição haver um crucifixo na parede atrás na mesa diretora das duas casas lesgislativas mesmo num Estado laico?

missa câmara dos deputados

Santa Missa sendo celebrada em Plenário da Câmara dos Deputados.

Ademais, existiram rodas de conversa com diversas pessoas que merecem narrativas. O presidente da casa Deputado Federal Henrique Eduardo Alves fez uma fala inicial e foi aberta a palavra aos presentes. O Pedro Markun, companheiro da Transparência Hacker, elogiou a iniciativa do Hackathon e abertura da casa, mas apontou que neste momento nossa presença aqui significa um certo “estado de exceção” e propôs até o estabelecimento de um HackerSpace dentro da própria casa para que a troca seja permanente. Como resposta o deputado, que está em seu 11º mandato, é um dos proprietários de uma afiliada da Rede Globo no Rio Grande do Norte e é presidente de um jornal local, elogiou a lucidez das colocações do Pedro e disse ter sido perseguido pelo “regime de exceção” estabelecido pela “revolução” (sic) de 1964 (!) Ao ser questionado sobre o Marco Civil da Internet e o adiamenteo de sua votação – prevista para esta semana – ele respondeu de forma bastante lisa, culpando o procedimento burocrático da casa, apontando a necessidade de revisão do regimento interno, etc. Também tivemos uma conversa com o pessoal do e-democracia que perdi um bocado por estar correndo outros locais da Câmara atrás das bases de dados. Houve a conversa com o Secretário-Geral da Mesa Adjunto Fernando Saboia Vieira que esclareceu muito sobre o regimento interno, sobre a prática política e sobre os fluxos precedimentais. Precebemos que o descolamento entre letra morta e realidade começa na casa de feitura de leis… O bate-papo com o Deputado Paulo Pimenta foi esperançoso, fez-nos acreditar que é possível haver um parlamentar que queira fazer do seu mandato um mandato aberto e transparente. Se isso vai ocorrer de fato, não se sabe, mas muito da política é intenção, ou pelo menos surge da intenção – temos fiapos de esperança.

Lula

Lula apoia a aprovação do Marco Civil da Internet Já!

Outras conversas, estas já não públicas e que merecem nota foi a com a Candyce Rocha da Secretaria da Mulher da Câmara e com o Mozart Vianna de Paiva. A Candyce veio conversar conosco por causa do nosso projeto, contou um pouco a história da Secretaria, apresentou as iniciativas e ouviu estusiasmada nosso projeto. A conversa com o Mozart contou com dois momentos: o primeiro em que as câmeras estavam ligadas e o segundo, com as câmeras desligadas. Enquanto havia a lente gravando, a atuação do Secretario Geral foi bastante performática, falando da Constituinte como se estivesse ali ajudando a nós, “crianças”, com um trabalho escolar. Inicialmente estávamos de um lado da mesa eu, Pedro da THacker e Daniela Silva facilitadora do Hackathon. Do outro lado da mesa estavam o Mozart, o Cristiano* (promotor do Hackathon) e o Rodolfo* (do CENIN). Ouvimos algumas histórias interessantes sobre a Constituição e tal, mas estávamos ali para conseguir um compromisso de abrir bases de dados. Rolou um momento ali que o Mozart disse “veja, se eu fosse seu pai…” – bem, no espírito de programadores(as) o lado de cá da mesa avaliou que dado que a hipótese é falsa (ele não é nosso pai), não seria preciso considerar a frase seguinte apontada pelo raciocínio logico causa-efeito. Fomos cavando o assunto perguntando da Lei de Acesso à Informação, fomos obtendo respostas de que deveríamos ser responsáveis com a informação – reflexo de um espírito um tanto ultrapassado de quem está nessa posição há mais de 20 anos. Quando chegamos no ponto, ele disse que não estava preparado para essa reunião e cercou-se de assessores: a chefe de gabinete Claudia Alarcão*, Leonardo* da área de informática e Débora* do Sileg. Conversas paralelas desenvolveram-se, foi dito por nós que há inconsistência entre as diferentes bases da casa, foi dito por eles que a ideia é ser transparente e deixar todos dados acessíveis, houve uma saída do Mozart para conversar com uma determinada liderança partidária em algum momento, houve discussão sobre presenças (sim há 3 tipos de presença na Câmara). Também ouvimos da chefe de gabinete que é melhor não liberar dado algum do que liberar dado sem alta qualidade… o que é dado de alta qualidade? Uma pena essa blindagem e inércia da SGM.

Outro fato que aconteceu no período que estávamos por aqui foi a Audiência Pública Ordinária da Comissão Especial destinada a proferir parecer à proposta de emenda à Constituição nº 479-A de 2010, do deputado Bala Rocha que acrescenta um inciso ao artigo 5º da Constituição Federal para incluir o acesso à Internet em alta velocidade entre os direitos fundamentais do cidadão. A sessão foi conduzida pelo relator deputado Amauri Teixeira. Havia vários convidados especialistas da sociedade civil que defendem um Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) decente mas que infelizmente não compareceram à sessão. Assim, como especialistas havia somente um professor da UnB, um representante das teles da Anatel e um representante do Ministério das Comunicações. Houve um certo consenso que acesso à internet deve ser um direito, mas cada qual pos suas questões sobre como viabilizar isso. Foi relevante a consideração de que se a internet for considerada um serviço essencial, pode ter impostos reduzidos (PIS/COFINS/e IPI) porém ainda passível de ICMS (menor). Deputado Izalci Lucas Ferreira fez a pertinente observação que Internet deve ser um serviço fornecido gratuitamente à população caso realmente tenhamos em vista usá-la para dar acesso equânime de oportunidades às pessoas. Concomitantemente n’outro plenário havia a discussão sobre o voto aberto para perda de mandato (PEC196/12) que não pude acompanhar.

Agora uma breve análise sobre o gênero nisso tudo também não poderia faltar. Para variar encontro-me no meio de muitos homens. De 50 hackers que aqui estão, somos apenas 3 mulheres. Na atual legislatura a porcentagem de deputados não chega a 9%. Descobri que a primeira mulher, Carlota Pereira de Queirós, só viria a ser deputada constituinte em 1933-1934. Descobri também que ela consta da base de dados que recebemos mas não está no site da Câmara (mais uma das inconsistências com que nos deparamos). Percebi que há muitas mulheres nas assessorias, na cozinha e na limpeza. Além disso numa das entrevistas que dei perguntaram-me sobre esse desbalanceamento e terminaram sugerindo que essa escassez de mulher poderia ser uma barreira, mas não para mim. Como não? Estou aqui com um projeto mais para por a pauta na roda de discussão exatamente porque é isso é uma barreira. É preciso entender que não é porque algumas de nós transpomos barreiras que elas não existem. Outro momento bastante delicado foi quando dei uma pressioanda por dados e ouvi “nossa como você é brava” seguido de “tudo bem, lá em casa sabe que quem manda é a minha mulher”, acrescido ainda de uma pergunta “você é da Parabíba?”. Espero que as pessoas que falaram isso leiam este relato e reflitam, pois me altou a presença de espírito de dizer-lhes: “moço, você foi machista”. Explico-me. É machismo recriminar, mesmo que no tom de piada, um comportamento que não seria encarado da mesma forma se viesse de um homem. É machismo atribuir o espaço natural do “domínio feminino” o lar, o espaço privado – o que só me faz pensar o quanto este projeo é fundamental, o quanto é importante desconstruir a naturalização do espaço público como masculino e do privado como feminino. E sobre a Paraíba, prefiro nem tecer maiores comentários acerca do preconceito que a frase que ouvi pode expressar.

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Projeção na parte externa da Câmara dos Deputados: Hackathon

Para concluir, estamos agora tentando virar algum gráfico na madrugada a partir das bases de dados que conseguimos integralmente e legível por máquina apenas na tarde da quinta-feira, 3º e último dia da maratona (temos que entregar tudo até 9h da sexta-feira). E não é que nos deparamos com um monte de palavras que não são partidos no campo destinado a partidos agora mesmo? Bem, saída será filtrar pela lista de partidos que temos e as proposições que não contiverem um partido no campo partido será descartada da análise, infelizmente.
Finalmente, quero parabenizar especialmente ao Cristiano Ferri e à Daniela Silva que ficaram muito tempo mesmo à nossa disposição e ajudando o máximo que podiam a gente a conseguir dados. Vale agradecer todos(as) funcionários(as) citados(as) acima e com um * ao lado do nome – talvez eles enfrentem todos os dias tudo isso que enfrentamos nesta semana. Queria sobretudo agradecer dois homens muito bacanas mesmo, Andrés e Diego, que toparam levar esse projeto à frente porque entendem que um mundo mais equânime é melhor para todas e todos nós!

O planejar no Brasil e os movimentos sociais

1. O planejamento

Brevemente, pode-se dizer que o ato de planejar consiste em observar o passado e o presente para preparar-se para o futuro. Nessa avaliação do que já existe de evidência histórica, estabelecem-se relações de causa e consequência a fim de entender como se dão os processos analisados, sendo eles técnicos, econômicos, políticos, sociais, culturais ou ambientais. Desta maneira, assume-se um rumo a ser tomado composto por objetivos, metas e prazos e presume-se que ocorrerão determinados comportamentos (individuais, regionais, nacionais, governamentais, institucionais).

O planejamento é necessário em todas escalas, desde a individual à global, para que as tomadas de decisão tenham coerência entre si e levem à consecução de um objetivo que se julga acertado e legítimo. Agora, focando na gestão de instituições, estabelecer metas de curto, médio e longo prazos costuma ser uma prática positiva, afinal, nem sempre são as mesmas pessoas que ocupam os cargos (há rotatividade) e às vezes a perspectiva mais ampla se perde em detrimento das questões mais cotidianas. Sendo necessário então haver uma perspectiva de longo prazo nos planejamentos, é preciso também considerar que deverá haver aporte de recursos para que se alcance o que previamente se estabeleceu como desejo a ser perseguido.

Estes dois parágrafos precedentes apresentam uma visão simples e até determinista do planejamento, o que não é um problema se houver ciência de que o planejamento é um instrumento norteador, definidor e redefinidor das ações a serem efetivadas. Isto é, pode ser reajustado ao longo do tempo, desde que não se ajuste o tempo todo de forma que se faça o planejmaneto caminhar para a realidade presente, ao invés da realidade presente caminhar pelo planejamento. No setor público, torna-se ainda mais fundamental pois os cargos de tomada de grandes decisões sofrem periodicamente alterações – o que se é bom pelo lado de possibilitar a alternância de poder, por outro lado, dificulta a contiuidade de políticas públicas.

Assim, o planejamento é um importante instrumento de gestão que não deve engessar, mas nortear a ação do poder público, especialmente se considerarmos que frequentemente encontra-se a dicotomia “recursos limitados x necessitadas ilimitadas”. Porém, é preciso ter em mente que o planejamento é instrinsecamente anacrônico, tal qual a cidade Fedora de Ítalo Calvino (2003) ilustra, é uma cristalização de desejos. E como não se pode afirmar nada sobre o futuro, apenas supor; quando o futuro chega é natural que o planejamento carregue um certo ar de arcaicidade.

No centro de Fedora, metrópole de pedra cinzenta, há um palácio de metal com uma esfera de vidro em cada cômodo. Dentro de cada esfera vê-se uma cidade azul que é o modelo para uma outra Fedora. São as formas que a cidade teria podido tomar se por uma razão ou por outra, não tivesse se tornado o que é atualmente, Em todas as épocas, alguém, vendo Fedora tal como era, havia imaginado um modo de transformá-la na cidade ideal, mas, enquanto construía o seu modelo em miniatura, Fedora já não era mais a mesma de antes e o que até ontem havia sido um possível futuro hoje não passava de um brinquedo numa esfera de vidro.

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Qual teria sido o rumo da humanidade se Hitler não tivesse assumido a Alemanha?

nazistas

Destrução nazista do Instituto para Ciência Sexual e a liberdade dos homossexuais

guest post da Aline Feola

Infelizmente a historia se repete e vemos novamente fundamentalistas perseguindo homossexuais… Agora é um bom momento para relembrarmos a história!

Em 1919, o pesquisador Magnus Hirscfeld fundou o Instituto para Ciência Sexual (Institut für Sexualwissenschaft ) em Berlim. O Instituto além de possuir uma grande biblioteca sobre homossexualidade, ainda oferecia serviços médicos, psicológicos e aconselhamento sobre sexo e casamento. Hirschfeld é conhecido como o primeiro advogado dos homossexuais e dos direitos dos transsexuais. Em 1928 estima-se que haviam 1,2 milhões de homossexuais na Alemanha, diversas associações lgbts e pontos de reuniões como bares e teatros. Os homossexuais viveram dias relativamente tranquilos, até que em fevereiro de 1933, com a ascensão de Hitler e do nazismo, o comportamento homossexual se tornou proibido. Homossexuais começaram a ser perseguidos, associações foram proibidas e o Instituto para Ciência Sexual foi destruido, junto com suas 12.000 publicações e 35.000 fotografias relativas à homossexualidade foram queimadas. Em seu discurso Hitler dizia que homossexuais deveriam se exterminados. Mais de 100,000 homossexuais foram presos, os arianos eram levados a centros de reabilitação para que recebessem «tratamento» e cumprissem com a sua função reprodutiva. Após constatado que não haveria possibilidade de curá-los, os homossexuais eram castrados e enviados para campos de concentração para que fossem exterminados pelo trabalho.

Após a guerra, os sobreviventes dos campos de concentração continuaram a ser perseguidos, pois o nazismo deixou como herança o estigma da inferiodade homossexual e o governo alemão so baniu as leis contra homossexuais na década de 70.

Se quiser ter mais informações o Museu do Holocausto dos Estados Unidos possui uma página dedicada ao Holocausto Homossexual: http://www.ushmm.org/education/resource/hms/homosbklt.pdf

Why do we want to change the world?

Ainda uma página em branco sendo construída…

Writing exercise: decribe a scene

325px-Pina_BauschThe audience glided quietly among theatre’s seats almost as they were outlining Pina Bausch movements that would take place soon after. No, it is not about Pina by herself, yet Pina by Win Wenders.

Then, the projection reveals eleven women dancing in diamond formation, a soft diamond sliding across the stage, which deforms with an imaginary wind that dripps over dancers’arms.

Many arms go into action again, this time are male ones who grope, grab and arrange a woman. And another woman then falls toward the floor until she finds a pair of arms to prevent shock.

As antithesis, from the fall to the peak, conquested by a dancer-actor in a burst of happiness that echoes in a couple that intertwines in the hard city. Hardness of the rock from where someone jumps, followed by another one who struggles to escape. On the beach, a woman walks while another just bear. Several up-and-are follwed by jumps, falls, pendulums, joins and disjoins and now dance is the main agent telling the story.

The dance acts.

Tornar-se mulher

Nada como começar o ano retomando os metas não cumpridas no(s) ano(s) anterior(es), e uma delas foi escrever no dia 08 de todo mês algo reflexivo sobre a mulher e/ou o movimento feminista na nossa sociedade.

Como dia 09/janeiro/1908 nascia Simone de Beauvoir queria escrever sobre ela…  Mas, dei-me conta que nunca lera nada que ela já tivesse escrito, nenhum de seus livros, nem os mais famosos como “memórias de uma moça bem-comportada” ou “o segundo sexo“. Assim, resolvi que este ano lerei um livro dela – ainda não escolhi qual.

Mas estou aqui, navegando um pouco na Internet e me deparando com citações como:

“… não acredito que existam qualidades, modos de vida especificamente femininos: seria admitir a existência de uma natureza feminina, quer dizer, aderir a um mito inventado pelos homens para prender as mulheres na sua condição de oprimidas. Não se trata para a mulher de se afirmar como mulher, mas de tornarem-se seres humanos na sua integridade”

“On ne naît pas femme, on le devient” – “Ninguém nasce mulher, torna-se mulher”

“A disputa durará enquanto os homens e as mulheres não se reconhecerem como semelhantes, isto é, enquanto se perpetuar a feminilidade como tal”

E, embora fora do conjunto da obra, o que mais me impressiona é o eco que essas palavras ainda têm mesmo que quem as escreveu tenha nascido há mais de um século… essa reflexão e busca de referência nasceu da constituição do grupo PoliGEN – Grupo de Estudos de Gênero do PoliGNU. E acho que acertamos ao batizar oficialmente o grupo no fim de 2012 fazendo referência à palavra gênero, pois a apropriação desta palavra remete à construção social de uma diferença orientada em função da biologia, por oposição a “sexo”, que designaria somente a componente biológica.

Da Wikipedia, sobre a palavra gênero: ” Dentro da teoria feminista a terminologia para as questões de gênero desenvolveu-se por volta da década de 1970. Na edição de 1974 do livro Masculine/Feminine or Human? de Janet S. Chafetz, a autora usa “gênero inato” e “papéis sexuais aprendidos”, mas na edição de 1978, o uso de sexo e gênero é invertido. Na década de 1980, a maioria dos escritos feministas passaram a concordar no uso de gênero apenas para aspectos socioculturais adaptados. Nos estudos de gênero, o termo gênero é usado para se referir às construções sociais e culturais de masculinidades e feminilidades. Neste contexto, gênero explicitamente exclui referências para as diferenças biológicas e foca nas diferenças culturais. Isto emergiu de diferentes áreas: da sociologia nos anos 50; das teorias do psicoanalista Jacques Lacan; e no trabalho de feministas como Judith Butler. Os que seguem Butler reconhecem os papéis de gênero como uma prática, algumas vezes referidos como “performativo.” ”

E deixo abaixo uma série de links de páginas que visitei e que só me aguçaram ainda mais a curiosidade para conhecer a obra de Simone de Beauvoir e as questões ligadas aos gêneros:

TEXTOS

sobre Simone de Beauvoir na Wikipedia

Núcleo de Estudos de Gênero Pagu, da Unicamp

Livros feministas – conta c/ “O Segundo Sexo”

sobre a peça de Fernanda Montenegro “Viver sem Tempos Mortos”

Artigo interessante sobre Simone, sua obra e a intelectualidade

Um blog, com Beauvoir…

VÌDEOS

Documentário Globo – parte 1, parte 2 e parte 3

Vídeo “não se nasce mulher” – parte 1, parte 2, parte 3, parte 4 e parte 5

Que fazer?

Hoje fiz minha última avaliação da graduação, paralelo a isso ocorrem várias outras coisas: 3º lugar no concurso da CPTM,  bom resultado no teste de proficiência de inglês para o mestrado no PTR e talvez um diploma duplo de engenharia civil e arquitetura esteja a caminho! Ao mesmo tempo, todos nós envelhecendo, pais, tios e tias sentindo o peso do tempo soprando em seus pulmões e sobrecarregando corações que aproveitaram a vida. E encontro-me num misto de euforia – finalmente me livrei da graduação da Poli! – e incertezas… E agora? Qual o foco? Ganhar dinheiro? Construir uma família? Continuar estudando e pesquisando o que gosto? Tentar mudar o mundo? Tudo isso junto? É possível? Ser feliz? O que preciso para ser feliz? É possível ser feliz?
Nessas horas, me volto aos livros, aqueles que me assistem dormir todos os dias e aos quais vivo prometendo dar atenção um dia – o dia em que eu finalmente me formar…. e me deparei, de novo, com essa poesia do Ferreira Gullar:

Você que mora no alheio,
que anda de lotação,
que trabalha o dia inteiro
pra enriquecer o patrão
-que ainda espera desse mundo
de injustiça e exploração?

Você que paga aluguel,
que pagará toda a vida
a casa que não é sua,
que pode a qualquer momento
ser posto no olho da rua
-que pode esperar da vida
que deveria ser sua?

Que pode esperar da vida
quem a compra à prestação?
Quem não tem outra saída:
-ser escravo ou ser ladrão?
Que pode esperar da vida
que a recebe vendida
por seu pai ao seu patrão?

Pro patrão você trabalha
dia e noite sem parar.
Você queima a sua vida
pra ele a vida gozar.
Você gasta a sua vida
pra dele se prolongar.
Você dá duro, padece,
você se esgota, adoece,
e quando, enfim, envelhece
o que é ruim vai piorar.

Só então você percebe
que tempo você perdeu.
Você vê que sua vida
foi dura mas não valeu.
Você passou a seu filho
o mundo que recebeu:
O mundo injusto e sem brilho
que, de fato, nem foi seu,
que não será do seu filho
se nele não se acendeu
o sentimento profundo
que traz o homem pra luta
-luta que fará o mundo
ser dele, ser meu, ser teu.

Por isso meu companheiro,
que trabalha o dia inteiro
pra enriquecer o patrão,
Te aponto um novo caminho
para tua salvação,
a salvação de teu filho
e o filho do teu irmão:
Te aponto o caminho novo
da nossa revolução.

Então verás que tua vida
ganha nova dimensão,
que em vez de triste e perdida
terá força e direção.
E cada homem da rua
Verás como teu irmão
que, sabendo ou não sabendo,
procura a libertação.

Sentirás que o mar que bate
na praia não bate em vão;
Que a flor que cresce no Meyer
não cresce no Meyer em vão;
Que o passarinho que canta
não canta pra teu patrão;
Que a grama verde que cresce
empurra a revolução.

O mundo ganhou sentido,
teu braço ganhou função.
A revolução floresce
na minha, na tua mão,
que nada há mais que a detenha
-nem polícia nem bloqueio
nem bomba nem
“Lacerdão”-
que ela assobia no vento
e marcha na multidão,
ilumina o firmamento,
gira na constelação

porque já foi deflagrada
no meu, no teu coração.

(Ferreira Gullar)

Hoje voltei ao trabalho!

Este breve escrito é apenas para expressar a grande admiração tenho pelos colegas de trabalho, que viabilizam, lá no barro, no concreto, no sol, a construção deste país.

Sem o operário, não tem Minha Casa Minha Vida;
Sem o operário, não tem Metrô;
Sem o operário, não tem campanha de eleição;
Sem o operário, não tem Itaquerão;
Sem o operário, não tem construção.

Operário em Construção de Vinícius de Moraes

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