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Como se ensina a ser menina

como_ensina_ser_meninaComo se ensina a ser menina – o sexismo na escola” de Montserrat Moreno é um livro curto e contundente. Tem como principal objetivo demonstrar que existe sim uma educação sexista nas escolas, mesmo quando isso é negado ou ignorado. Mas se engana quem acha que é mais um livro que critica e que deixa-nos abandonados em meio de uma crise ao seu final. Não é assim, Moreno aponta saídas e mudanças possíveis – e mesmo necessárias – mas não entrega fórmula mágica, pronta e de final feliz como muitos ávidos consumidores esperam do modelo hollywoodiano de consumo cultural.

Ela começa pincelando aqui e ali como se dá a construção da noção de gênero, que ao contrário do sexo, não é nato nem determinado biologicamente. A introdução é recheada com exemplos vindo da antropologia. Daí engancha-se a discussão sobre o papel da Escola na modelagem de comportamento de meninas e meninos e ela explora de forma bastante clara como a Escola transmite conceitos sexistas, reproduzindo um discurso não dito que reforça que mulher é um elemento social de segunda categoria. Ela demonstra como isso ocorre falando um pouco do currículo de história – onde estão ou estavam as mulheres nos livros de história? Atividades diversas as mulheres exerceram, então onde e por que esconderam a narrativa dessas vidas?

“É verdade que guerras, intrigas e crimes marcam nossa história, mas não é menos verdade que, se nossos antepassados tivessem se limitado a essas atividades, não estaríamos aqui para ler sua narrativa. Por que se priorizam tanto essas atividades?”

A autora explora também como passamos mensagens através da linguagem. Uma menina aprende que existem marcador de linguagem para quem vai dirigir-se a ela, a declinação de gênero. Também o faz o menino. Mas se são várias crianças, docentes referem-se a “eles” na maior parte do tempo e raramente a “eles e elas” e, geralmente, nesta ordem. Aprendemos muito pela linguagem, aprendemos simbolicamente que num conjunto misto devemos aceitar como normal a invisibilização e quando muito, aparecer assim, enunciadas, mas nunca na posição primeira, de destaque.

Além da mulher não ter história e também ter espaço secundário ou inexistente na linguagem, também é discutido um pouco como o sexismo passa por todo o conteúdo escolar, inclusive os mais “objetivos”, ou seja, aqueles pertencentes ao campo das ciências ditas exatas. Moreno pontua:

“O rendimento intelectual que se espera das meninas é sempre inferior ao que se espera dos meninos (…) As explicações que têm sido dadas são te todos os tipos. (…) Edward Clarke assegurava que as meninas não deviam ser pressionadas a estudar porque, se o seu cérebro fosse obrigado a trabalhar durante a puberdade, esgotar-se-ia o sangue necessário na menstruação.”

Ela expõe muitas das baboseiras que historicamente foram argumentos válidos e importantes contribuintes para a nossa atual visão do que é “ser mulher” e o que é “ser homem”. Dando-se conta do sexismos existente no currículo explícito e no oculto a reação de muitas(os) professoras(es) é querer erradicá-lo. Muitas(os) profissionais da educação então convencem-se que erradicaram o sexismo de suas aulas “porque tratam igualmente as meninas e os meninos” – será que isso conduz ao objetivo almejado? Será que a liberdade é plenamente exercível na nossa sociedade? Não seria utópico demais querer saltar fora de um modelo bem conformado em que mulheres são sensíveis e frágeis e homens são fortes e não podem chorar?

Enfim, “se falta algo às mulheres, como grupo, são utopias”: boa leitura!