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O início

Faz tempo que não escrevo e este ano, minha vida mudou bastante: “bem-vinda ao mundo do trabalho!”.

E finalmente, estou trabalhando onde eu queria, na obra. Queria ver como as construções moldadas na imaginação dos arquitetos e viabilizadas pelos cálculos dos engenheiros viram realidade sob nossos pés…

Estou aprendendo muito, não aquele aprendizado formal, didaticamente enquadrado nas folhas de celulose marcadas nas prensas. Estou sentindo um aprendizado diferente, marcado pelo sol, vento, chuva, pó, olhares, desvios, apertos de mão, tapinhas nas costas, texturas nas pontas dos dedos, ritmo sonoro da britadeira, betoneira a desenhar um pião rodando no ar.

Há coisas que não aprendo, ou melhor, não aceito: o preconceito.

Ah, o preconceito não é algo sentido assim explicitamente. Quanto à sua expressão, é comum ver tanto aqueles que quase dizem que obra não é lugar para mulher como aqueles que dizem não ter preconceito algum, no entanto não resistem a uma “brincadeirinha inocente”…

É foda ouvir, mesmo que num tom de suposta brincadeira, coisas do tipo:

– mulher feliz é mulher que apanha em casa (essa foi hj)

– fulano, num discute com ela não, não sabe que discutir com mulher não adianta (essa tb foi hj)

– ah, mas vc vai ficar sozinha na obra… isso não dá certo (essa foi semana passada)

– só mulher na obra, agora que isso não funciona (essa foi no início da semana)

– lugar de mulher é na cozinha (a quem respondi prontamente: Ainda bem que sua mulher pensa assim…)

– mulher que gosta de homem que não é rico, é burra (isso dito por um homem, e duvido que rico, senão não estaria por aqui…)

– você não pode expor nenhuma parte do seu corpo que provoque um “peão” pois isso pode causar um acidente de trabalho, até mesmo o ombro pode atiçar a imaginação dele (como se todos os operários fossem tarados heterossexuais ambulantes…)

– você deve vir vestida o mais parecida com homem possível (o que me fez ir a José Paulino gastar a contra-gosto algumas dezenas de reais comprando calças jeans e camisetas com mangas, regatas nem pensar…)

– prefiro ter um filho drogado ou ladrão a um filho veado, pois existe ex-drogado e ex-ladrão, mas não ex-veado (a que respondi que era um preconceito sem tamanho preferir um infrato da lei a respeitar a opção sexual alheia)

Colocando mais ingredientes nesse caldo duro e concreto do mais puro conservadorismo, temos o comportamento hipócrita dos machinhos repreeendendo-se uns aos outros ao dizer um palavrão – entendendo que nesse ato ofendem a ouvinte, talvez um ser casto e puro que não pode ouvir palavras como pinto, porra, caralho, puta que pariu, merda, cacete, etc. – e como se não dissesse também.

Tsc, tsc, tsc – o aparente respeito demonstra o desejo deles: eles a querem casta, pura e ingênua que não pode ouvir palavrão e, portanto, não pertencente àquele espaço, desejam-na, longe dali. Esse aparente respeito se desfaz nas primeiras semanas, ao longo das conversas no almoço, no corredor do escritório, na van que leva ao canteiro Ana Rosa.

Já as “brincadeiras” com temas machistas e de preconceito aos homo ou bissexuais – essas nao se desfizeram nas primeiras semanas, e acho que vem assim há décadas…

Esse é o início 😉