Archive for the 'Política' Category

Internet, freedom and privacy

we need to ensure one, to ensure another

 

It is impossible to talk about freedom and privacy on the Internet without addressing the theme of the access to Internet as a human right per se. The Universal Declaration of Human Rights[1] in its first article says thatAll human beings are born free and equal in dignity and rights. They are endowed with reason and conscience and should act towards one another in a spirit of brotherhood”. Thus, if access to health information, education and also the best job opportunities occur through the Internet, it is unfair to bar part of the population out of the cyberspace. Therefore, it is imperative to ensure access to the Internet in order to ensure many other rights equitably.

This discussion is concerning the governments because to ensure access the Internet means going into the debate of how is the Internet governance. In other words means defining rights and responsibilities of individuals, organizations and governments. We are currently defining these virtual world guidelines. In March 2010, the BBC commissioned an opinion poll[2] about Internet Access that covered 26 countries in the World. This report showed that on the one hand “almost four in five people around the world believe that access to the internet is a fundamental right”; on the other hand there are some aspects that frighten people. Five aspects on the internet that cause most concern are fraud, violent and explicit content, threats to privacy, state censorship of content and extent of corporate presence.

However, all these fears refer to situations that do not happen only on the cyberspace. All these crimes (fraud, violence, privacy violation, State censorship and corporation abuses) already take place outside Internet. The fundamental issue is that the way in which they occur changes according to the environment and our current legal frameworks are not adapted to the cyber one. Precisely in times of change is when we must unbind from the regulatory details and regain the principles that should govern our relations: Universal Declaration of Human Rights. Since “the fact that the rule of law is constantly changing does not mean that guidelines cannot be distilled from it”[3].

Aspects os the internet causing most concern

Moreover, estabilishing the deployment of those universal guidelines in cyberspace will only be successful if several actors be involved, ie, a multistakeholder body including who produces and who operates this space. In his sense, in 2005, United Nations-sponsored World Summit on the Information Society (WSIS) created  IGF[4] to open an ongoing, non-binding conversation among multiple stakeholders about the future of Internet governance. The controversy lies in the fact that the Internt governance has been built mostly by governments and multistakeholder organs have little power of decision.

Finally, the access to Internet as a right is not consensus, but it is gaining support with time and diffusion of ICT use in everyday life. The fears that we have in cyberspace do not differs from the ones that we have outside of it, so, the challenge is how to link the existent legal framework or even create a new one to ensure our privacy and freedom in that new space. Some people think it is impossible since we have not solved that kind of problem in “real” world. Nonetheless, the cyberspace will develop itself in parallel with the already existent problems and ignoring its growth will not solve the problems in either of the environments. The challenge in the spot is how to spin an Internet governance dealing with the diversity of cultures and laws, respecting different concepts of freedom and privacy and ensuring national sovereignty of countries. It is still an open issue which will provoke changes not only in cyberspace.



[1] Universal Declaration of Human Rights: http://www.un.org/en/documents/udhr/index.shtml

[4] Internet Governance Forum: http://www.intgovforum.org/cms/aboutigf

Como se ensina a ser menina

como_ensina_ser_meninaComo se ensina a ser menina – o sexismo na escola” de Montserrat Moreno é um livro curto e contundente. Tem como principal objetivo demonstrar que existe sim uma educação sexista nas escolas, mesmo quando isso é negado ou ignorado. Mas se engana quem acha que é mais um livro que critica e que deixa-nos abandonados em meio de uma crise ao seu final. Não é assim, Moreno aponta saídas e mudanças possíveis – e mesmo necessárias – mas não entrega fórmula mágica, pronta e de final feliz como muitos ávidos consumidores esperam do modelo hollywoodiano de consumo cultural.

Ela começa pincelando aqui e ali como se dá a construção da noção de gênero, que ao contrário do sexo, não é nato nem determinado biologicamente. A introdução é recheada com exemplos vindo da antropologia. Daí engancha-se a discussão sobre o papel da Escola na modelagem de comportamento de meninas e meninos e ela explora de forma bastante clara como a Escola transmite conceitos sexistas, reproduzindo um discurso não dito que reforça que mulher é um elemento social de segunda categoria. Ela demonstra como isso ocorre falando um pouco do currículo de história – onde estão ou estavam as mulheres nos livros de história? Atividades diversas as mulheres exerceram, então onde e por que esconderam a narrativa dessas vidas?

“É verdade que guerras, intrigas e crimes marcam nossa história, mas não é menos verdade que, se nossos antepassados tivessem se limitado a essas atividades, não estaríamos aqui para ler sua narrativa. Por que se priorizam tanto essas atividades?”

A autora explora também como passamos mensagens através da linguagem. Uma menina aprende que existem marcador de linguagem para quem vai dirigir-se a ela, a declinação de gênero. Também o faz o menino. Mas se são várias crianças, docentes referem-se a “eles” na maior parte do tempo e raramente a “eles e elas” e, geralmente, nesta ordem. Aprendemos muito pela linguagem, aprendemos simbolicamente que num conjunto misto devemos aceitar como normal a invisibilização e quando muito, aparecer assim, enunciadas, mas nunca na posição primeira, de destaque.

Além da mulher não ter história e também ter espaço secundário ou inexistente na linguagem, também é discutido um pouco como o sexismo passa por todo o conteúdo escolar, inclusive os mais “objetivos”, ou seja, aqueles pertencentes ao campo das ciências ditas exatas. Moreno pontua:

“O rendimento intelectual que se espera das meninas é sempre inferior ao que se espera dos meninos (…) As explicações que têm sido dadas são te todos os tipos. (…) Edward Clarke assegurava que as meninas não deviam ser pressionadas a estudar porque, se o seu cérebro fosse obrigado a trabalhar durante a puberdade, esgotar-se-ia o sangue necessário na menstruação.”

Ela expõe muitas das baboseiras que historicamente foram argumentos válidos e importantes contribuintes para a nossa atual visão do que é “ser mulher” e o que é “ser homem”. Dando-se conta do sexismos existente no currículo explícito e no oculto a reação de muitas(os) professoras(es) é querer erradicá-lo. Muitas(os) profissionais da educação então convencem-se que erradicaram o sexismo de suas aulas “porque tratam igualmente as meninas e os meninos” – será que isso conduz ao objetivo almejado? Será que a liberdade é plenamente exercível na nossa sociedade? Não seria utópico demais querer saltar fora de um modelo bem conformado em que mulheres são sensíveis e frágeis e homens são fortes e não podem chorar?

Enfim, “se falta algo às mulheres, como grupo, são utopias”: boa leitura!

Controle de gestão

Hoje fiquei encasquetando aqui em como a participação social em nível abstrato pode virar participação e controle social no cotidiano e saiu isso que relato abaixo.

Transparência ativa
Para poder exercer qualquer tipo de controle é preciso que existam informações disponíveis, de preferência como dado aberto (clique aqui para saber o que é dado aberto). Ou seja, é importante que dados brutos (para além das informações tratadas) sejam disponibilizadas pelo caráter público que detêm, e não apenas mediante pedidos das(os) cidadãs(os). Isso porque a inércia que a burocracia representar é bastante grande e desestimula o pedido. Além disso, disponibilizar dados pela internet, exercendo transparência ativa é uma forma ótima de gerir já que aquela dada informação será visível e acessível a todo mundo, ao passo que se um órgão ou governo for atendendo pedido a pedido individualmente, várias pessoas acabam por pedir a mesma coisa e várias repostas precisarão ser dadas, multiplicando desnecessariamente o trabalho do(a) servidor(a) público(a).

Fiscalização e acompanhamento de gestão
Se alguém, qualquer pessoa, quiser saber a sua prioridade, ou da sua empresa ou do seu governo o primeiro aspecto que olhará será o orçamento. Discursos e ideias são importantes e guiam a gente, mas sem dinheiro alocado para implementação de ações as “ideias não saem do papel”.
Assim, o acompanhamento do PPA, LDO e LOA são fundamentais e isso pode ser feito acompanhando as votações no legislativo. No entanto, não é tão fácil assim acompanhar ao legislativo. Quem sabe e onde encontramos as pautas tanto das plenárias como das comissões? Isso ainda não é tão simples de averiguar quanto pode parecer à primeira vista.
Participar dos conselhos é outro caminho, mas que conta com entrave que precisa ser superado que é o caráter deliberativo que se faz necessário. Porque participar para falar, falar, falar e ninguém ouvir é insustentável e desmotivante.

Conselho de Planejamento e Orçamento Participativos (CPOP) em São Paulo
Como resultado da CONSOCIAL está havendo em São Paulo uma movimentação para a elaboração colaborativa da minuta da proposta (de decreto) de criação do Conselho de Planejamento e Orçamento Participativos – CPOP (ver http://consocial.com.br/201311cpop.asp). Este conselho, por exemplo, tem “caráter propositivo e participativo em questões relacionadas à elaboração e execução do ciclo de planejamento e orçamento da Prefeitura do Município de São Paulo”. Isto é, a sociedade quer participar inclusive do momento do planejamento do orçamento, mexendo nas prioridades a serem elencadas – estou indo lá dar meus pitacos e você?

Participação cidadã

Nestes tempos de certo tempo “livre” na minha vida, estou lendo, estudando, dialogando com muita gente. Enfim, me pus a refletir sobre quais seriam os principais obstáculos à participação das(os) cidadãs(os) na política. Cheguei a três principais que esmiuço melhor abaixo, bem como possíveis estratégias de superação de: pouca cultura de participação, dificuldade de entender os processos burocráticos e falta de informação.

Pouca cultura de participação
Fala-se e até constata-se pouco interesse da população em participar. Isso faz sentido por razões históricas e culturais afinal atualmente nossa Constituição Cidadã fez 25 anos de idade e comemoramos a mais longo ininterrupto período democrático da história brasileira. Porém, poucas rupturas da manutenção do poder houveram, mesmo nas transições períodos autoritários / períodos democráticos. Logo, ter a sensação de que participar resume-se ao momento do voto é parte de uma cultura cultivada já há muito tempo, afinal, delega-se poder àqueles “mais bem preparados” para a gestão da máquina pública já que o povo “não tem competência” para gerir suas próprias demandas. Criou-se ao longo do tempo antagonismo (não real) entre as democracias representativa e participativa. Então:
– as pessoas não acreditam que devem participar, já que não são “políticos profissionais”;
– as pessoas não acreditam que podem participar, já que desconhecem mecanismos de participação.
Como estratégias para superação desses obstáculos é preciso fortalecer os mecanismos de democracia participativa, tais como conferências, conselhos e mecanismos digitais. Esse fortalecimento prescinde de informar e comunicar a população que esses espaços existem e como funcionam. Quando as pessoas superam a barreira do desconhecimento, vem a barreira do descrédito que, em parte é fruto histórico, logo, passível de mudança para adoção de nova cultura política. Em parte também o descrédito calca-se no fato de que o poder deliberativo dos mecanismos de participação popular são bastante limitados. Aqui, a estratégia passa por mudar profundamente a cultura não apenas das pessoas (povo) mas das instituições (governo) para que sejam permeáveis (compulsoriamente) às pressões e deliberações vindas dos mecanismos participativos.

Dificuldade de entender os processos burocráticos
É bastante difícil entender os processos burocráticos do Estado para uma pessoa que, em não sendo político profissional, trabalha 8h/dia, dorme 8h/dia, perde 2h no trajeto casa-trabalho-casa, tem que tomar banho, comer e cuidar da família. Isso considerando que essa pessoa somente trabalha, porque pode também trabalhar e estudar… Como dedicar tempo extra a estudar e compreender a intrincada burocracia do Estado? Por exemplo, é interessante saber se os políticos estão ao menos comparecendo às sessões da Câmara dos Deputados, certo? Mas quantas pessoas sabem que existem 3 tipos diferentes de presença na casa legislativa e o que significa cada uma delas? Recentemente participei de uma maratona hacker na Câmara dos Deputados e ganhei um exemplar do Regimento Interno de lá – confesso ter entendido pouco do que li até o momento…
Por outro lado, entendo a importância de haver processos e procedimentos para que a engrenagem da gestão de um país, estado ou cidade funcionem. Então, proponho que sejam tomadas medidas de desburocratização dos processos na medida do possível, especialmente se considerarmos que entramos na era digital e que isso pode simplificar (e modificar) muitos procedimentos. Para além disso, sempre será necessário, ainda que com estrutura mais simples, explicações didáticas, difusão de cursos, campanha publicitárias de conscientização a respeito do funcionamento dos meandros do Estado. Afinal, como participar de algo que não se entende?

Falta de informação
Fica cada vez mais evidente que informação é poder. E como empoderar uma população sem provê-la de informações? Impossível. Acesso a informações pública é fundamental para exercer cidadania e foi nesse espírito que nasceu a Lei de Acesso à Informação (LAI), que inclusive resguarda as informações de segurança nacional e sigilosas. Fica assim já delineada uma estratégia para superação deste obstáculo, o cumprimento da LAI. Nesta lei destaco o parágrafo 3º que cita a questão dos dados abertos (clique aqui para saber o que são dados abertos) pois sem essas características, os dados ficam aparentemente abertos, mas não de fato. Outra estratégia fundamental ao Estado é promover a transparência ativa, ou seja, prover e dar dados e informações à todos(as) sem que seja necessário requisição, pedido, identificação, etc. pelo simples fato que nasce do entendimento que é dever do Estado ser transparente nos seus atos e, portanto, publicizá-los.

A experiência deste Hackathon na Câmara dos Deputados

A ideia de entrar neste Hackathon nem é para ganhar e isto pode parecer estranho à primeira leitura – mas é verdade. A esta hora da madrugada (a poucas horas da apresentação do projeto) estamos com só 1 gráfico de 6 pronto e, bem, não ganharemos… hehehe.

Então para quê estou aqui? Para que estamos aqui eu, Diego e Andrés?
Bem, o nosso projeto Gênero & Participação tem como objetivo investigar a participação de homens e mulheres na casa legislativa, qual é a divisão proporcional e absoluta e se existe um certo perfil de temáticas que é mais de afeição de mulheres do que de homens, ou vice-versa.

Em cinza a participação de homens e em vermelho a participação de mulheres nas legislaturas ao longo da vida da Câmara Federal.

Em cinza a participação de homens e em vermelho a participação de mulheres nas legislaturas ao longo da história da Câmara Federal.

Nessa história precisamos de muitos dados e entre os principais figuram as biografias e as proposições de parlamentares. Aí a ideia é verificar percentuais de mulheres e homens ao longo da história tanto no total da casa como por partidos, e ainda poder comparar partidos nesse quesito dado um ano específico. Para além de mapear e explicitar visualmente a parca participação feminina seria interessante averiguar se há pautas que são mais comuns a um gênero do que a outro. Para tanto, precisamos do ID parlamentar (forma com que o banco de dados identifca um(a) parlamentar) e de características das proposições, em especial suas palavras-chaves. Com estas palavras, e entendendo sua lógica de atribuição, queríamos identificar macro-temáticas e verificar se havia algum tipo de divisão de gênero nas proposições. As ideias são lindas e os dados também, mas às vezes eles não se encaixam tão bem, nem tão rápido…

Nossas primeiras demandas de dados (ainda na terça-feira, 1º dia da maratona) foram: biografias, proposições e taxonomia das palavras de indexação. Nossa primeira empreitada foi tentar entender a indexação, aí o Daniel* nos levou à Ana Paula* que explicou-nos um pouco do processo de indexação: uma proposição entra no sistema pela Secretaria Geral da Mesa (SGM) e depois recebe um sem-limite número de palavras. Existe um “dicionário” de palavras para auxiliar os servidores chamado Tesauro que estabelece quais são as palavras autorizadas, as sinonímias e as hierarquias. Para entender o que uma palavra autorizada significa, imagine uma proposição que queria legislar sobre nossos emails. Essa proposição não pode receber a palavra “email”, mas deve receber a expressão “correio eletrônico”. Ou seja, a lista de palavras autorizadas serve para uniformizar a linguagem e é mutável com o tempo. Daí fomos ao Centro de Documentação e Informação (CEDI) e conversamos com a Katiúcia* que nos explicou a estrutura do órgão e também nos mostrou como usuária o Tesauro o SilegDep.

O Tesauro foi uma das bases mais “fáceis” de conseguir (chegou na quarta-feira, 2º dia da maratona) mas descobrimos que ela não nos serve… sinceramente a achamos insuficiente/pobre. Os relacionamentos que a base proporciona não conduzem a temas correlacionados e conduzem a certas hierarquias superiores que às vezes nos fazem perder o significado semântico que nos interessa. Exemplo: a palavra “mulher” tão tem palavras abaixo de si, nem acima, porém, relaciona-se com a palavra “cônjuge” em mesmo nível, que por sua vez está abaixo do termo “direito de família”. O mesmo ocorre com a palavra homem. Ao procurar a palavra “mãe” ratifica-se o fato de que esta não está relacionada com mulher. Nem gravidez. Nem violência doméstica. Deu para perceber que a taxonomia não ia nos ajudar no sentido de formar grupos de palavras que representassem determinadas temáticas, certo? Assim, foi interessante conhecer o Tesauro mas resolvemos que faríamos a contagem das palavras-chaves constantes na indexação das proposições e faríamos a análise a partir daí. Trata-se de uma análise mais automática do que pensávamos e com menos riqueza semântica, mas é o que é possível ser feito.

Então, bastava ir ao XML, buscar as proposições e começar a trabalhar com as palavras-chaves para os gráficos nascerem… Contudo, descobrimos que a base de dados de que dispúnhamos não contava exatamente com o campo das indexações. Ok, avisamos isso a Centro de Informática da Câmara (CENIN), pedimos que essa base fosse completa e fomos atrás das biografias. Lá estavam elas, lindas, com fotos e histórias das pessoas que fizeram muito da nossa história. Procuramos pelo campo sexo e nada… Procuramos por gênero e nada… Parece trote de faculdade? Não, foi verdade mesmo. Esta base também tinha tudo menos os campos primários que precisávamos. Avisamos este fato também e novamente pedimos completude da base. A esta altura já estávamos na quinta-feira e já faláramos com o Claudio*, o Rodolfo* e o Carlos* do CENIN. Confesso que pressionamos mesmo os funcionários. Sim, esse é o nosso papel. Estamos numa maratona, numa imersão de programação na casa que felizmente se abriu para a cultura hacker. Nosso papel é fazer o máximo possível para que nossa presença aqui deixe alguma marca e abra espaço para alguma mudança. Não é nossa função passar inócuos, pois se assim o fosse, por que estaríamos aqui? Por que voltaríamos aqui? Ainda na saga dos dados é preciso dizer que sabemos que muitas vezes há vontade do corpo técnico em colaborar, há competência para isso. Mas é preciso de autorizações burocráticas cujo fundo é político.

E falando em política, destacado foi o contexto político que nos rodeou estes dias. Visitamos os plenários da Câmara e do Senado exatamente em 29/outubro/2013, quando nossa Constituição Federal fez 25 anos e cuja comemoração vai além disso per si e representa a comemoração do período democrático contínuo mais longo da história do nosso país. Foi uma sensação muito contraditória “comemorar” o aniversário de um quarto de século da Constituição Cidadã que veio brindar-nos com democracia e direito de expressão em dois plenários que continham as seguintes instruções a cidadãos(ãs) nas galerias: “proibido manifestar-se”. Além disso, só eu acho uma enorme contradição haver um crucifixo na parede atrás na mesa diretora das duas casas lesgislativas mesmo num Estado laico?

missa câmara dos deputados

Santa Missa sendo celebrada em Plenário da Câmara dos Deputados.

Ademais, existiram rodas de conversa com diversas pessoas que merecem narrativas. O presidente da casa Deputado Federal Henrique Eduardo Alves fez uma fala inicial e foi aberta a palavra aos presentes. O Pedro Markun, companheiro da Transparência Hacker, elogiou a iniciativa do Hackathon e abertura da casa, mas apontou que neste momento nossa presença aqui significa um certo “estado de exceção” e propôs até o estabelecimento de um HackerSpace dentro da própria casa para que a troca seja permanente. Como resposta o deputado, que está em seu 11º mandato, é um dos proprietários de uma afiliada da Rede Globo no Rio Grande do Norte e é presidente de um jornal local, elogiou a lucidez das colocações do Pedro e disse ter sido perseguido pelo “regime de exceção” estabelecido pela “revolução” (sic) de 1964 (!) Ao ser questionado sobre o Marco Civil da Internet e o adiamenteo de sua votação – prevista para esta semana – ele respondeu de forma bastante lisa, culpando o procedimento burocrático da casa, apontando a necessidade de revisão do regimento interno, etc. Também tivemos uma conversa com o pessoal do e-democracia que perdi um bocado por estar correndo outros locais da Câmara atrás das bases de dados. Houve a conversa com o Secretário-Geral da Mesa Adjunto Fernando Saboia Vieira que esclareceu muito sobre o regimento interno, sobre a prática política e sobre os fluxos precedimentais. Precebemos que o descolamento entre letra morta e realidade começa na casa de feitura de leis… O bate-papo com o Deputado Paulo Pimenta foi esperançoso, fez-nos acreditar que é possível haver um parlamentar que queira fazer do seu mandato um mandato aberto e transparente. Se isso vai ocorrer de fato, não se sabe, mas muito da política é intenção, ou pelo menos surge da intenção – temos fiapos de esperança.

Lula

Lula apoia a aprovação do Marco Civil da Internet Já!

Outras conversas, estas já não públicas e que merecem nota foi a com a Candyce Rocha da Secretaria da Mulher da Câmara e com o Mozart Vianna de Paiva. A Candyce veio conversar conosco por causa do nosso projeto, contou um pouco a história da Secretaria, apresentou as iniciativas e ouviu estusiasmada nosso projeto. A conversa com o Mozart contou com dois momentos: o primeiro em que as câmeras estavam ligadas e o segundo, com as câmeras desligadas. Enquanto havia a lente gravando, a atuação do Secretario Geral foi bastante performática, falando da Constituinte como se estivesse ali ajudando a nós, “crianças”, com um trabalho escolar. Inicialmente estávamos de um lado da mesa eu, Pedro da THacker e Daniela Silva facilitadora do Hackathon. Do outro lado da mesa estavam o Mozart, o Cristiano* (promotor do Hackathon) e o Rodolfo* (do CENIN). Ouvimos algumas histórias interessantes sobre a Constituição e tal, mas estávamos ali para conseguir um compromisso de abrir bases de dados. Rolou um momento ali que o Mozart disse “veja, se eu fosse seu pai…” – bem, no espírito de programadores(as) o lado de cá da mesa avaliou que dado que a hipótese é falsa (ele não é nosso pai), não seria preciso considerar a frase seguinte apontada pelo raciocínio logico causa-efeito. Fomos cavando o assunto perguntando da Lei de Acesso à Informação, fomos obtendo respostas de que deveríamos ser responsáveis com a informação – reflexo de um espírito um tanto ultrapassado de quem está nessa posição há mais de 20 anos. Quando chegamos no ponto, ele disse que não estava preparado para essa reunião e cercou-se de assessores: a chefe de gabinete Claudia Alarcão*, Leonardo* da área de informática e Débora* do Sileg. Conversas paralelas desenvolveram-se, foi dito por nós que há inconsistência entre as diferentes bases da casa, foi dito por eles que a ideia é ser transparente e deixar todos dados acessíveis, houve uma saída do Mozart para conversar com uma determinada liderança partidária em algum momento, houve discussão sobre presenças (sim há 3 tipos de presença na Câmara). Também ouvimos da chefe de gabinete que é melhor não liberar dado algum do que liberar dado sem alta qualidade… o que é dado de alta qualidade? Uma pena essa blindagem e inércia da SGM.

Outro fato que aconteceu no período que estávamos por aqui foi a Audiência Pública Ordinária da Comissão Especial destinada a proferir parecer à proposta de emenda à Constituição nº 479-A de 2010, do deputado Bala Rocha que acrescenta um inciso ao artigo 5º da Constituição Federal para incluir o acesso à Internet em alta velocidade entre os direitos fundamentais do cidadão. A sessão foi conduzida pelo relator deputado Amauri Teixeira. Havia vários convidados especialistas da sociedade civil que defendem um Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) decente mas que infelizmente não compareceram à sessão. Assim, como especialistas havia somente um professor da UnB, um representante das teles da Anatel e um representante do Ministério das Comunicações. Houve um certo consenso que acesso à internet deve ser um direito, mas cada qual pos suas questões sobre como viabilizar isso. Foi relevante a consideração de que se a internet for considerada um serviço essencial, pode ter impostos reduzidos (PIS/COFINS/e IPI) porém ainda passível de ICMS (menor). Deputado Izalci Lucas Ferreira fez a pertinente observação que Internet deve ser um serviço fornecido gratuitamente à população caso realmente tenhamos em vista usá-la para dar acesso equânime de oportunidades às pessoas. Concomitantemente n’outro plenário havia a discussão sobre o voto aberto para perda de mandato (PEC196/12) que não pude acompanhar.

Agora uma breve análise sobre o gênero nisso tudo também não poderia faltar. Para variar encontro-me no meio de muitos homens. De 50 hackers que aqui estão, somos apenas 3 mulheres. Na atual legislatura a porcentagem de deputados não chega a 9%. Descobri que a primeira mulher, Carlota Pereira de Queirós, só viria a ser deputada constituinte em 1933-1934. Descobri também que ela consta da base de dados que recebemos mas não está no site da Câmara (mais uma das inconsistências com que nos deparamos). Percebi que há muitas mulheres nas assessorias, na cozinha e na limpeza. Além disso numa das entrevistas que dei perguntaram-me sobre esse desbalanceamento e terminaram sugerindo que essa escassez de mulher poderia ser uma barreira, mas não para mim. Como não? Estou aqui com um projeto mais para por a pauta na roda de discussão exatamente porque é isso é uma barreira. É preciso entender que não é porque algumas de nós transpomos barreiras que elas não existem. Outro momento bastante delicado foi quando dei uma pressioanda por dados e ouvi “nossa como você é brava” seguido de “tudo bem, lá em casa sabe que quem manda é a minha mulher”, acrescido ainda de uma pergunta “você é da Parabíba?”. Espero que as pessoas que falaram isso leiam este relato e reflitam, pois me altou a presença de espírito de dizer-lhes: “moço, você foi machista”. Explico-me. É machismo recriminar, mesmo que no tom de piada, um comportamento que não seria encarado da mesma forma se viesse de um homem. É machismo atribuir o espaço natural do “domínio feminino” o lar, o espaço privado – o que só me faz pensar o quanto este projeo é fundamental, o quanto é importante desconstruir a naturalização do espaço público como masculino e do privado como feminino. E sobre a Paraíba, prefiro nem tecer maiores comentários acerca do preconceito que a frase que ouvi pode expressar.

hackathon cdep

Projeção na parte externa da Câmara dos Deputados: Hackathon

Para concluir, estamos agora tentando virar algum gráfico na madrugada a partir das bases de dados que conseguimos integralmente e legível por máquina apenas na tarde da quinta-feira, 3º e último dia da maratona (temos que entregar tudo até 9h da sexta-feira). E não é que nos deparamos com um monte de palavras que não são partidos no campo destinado a partidos agora mesmo? Bem, saída será filtrar pela lista de partidos que temos e as proposições que não contiverem um partido no campo partido será descartada da análise, infelizmente.
Finalmente, quero parabenizar especialmente ao Cristiano Ferri e à Daniela Silva que ficaram muito tempo mesmo à nossa disposição e ajudando o máximo que podiam a gente a conseguir dados. Vale agradecer todos(as) funcionários(as) citados(as) acima e com um * ao lado do nome – talvez eles enfrentem todos os dias tudo isso que enfrentamos nesta semana. Queria sobretudo agradecer dois homens muito bacanas mesmo, Andrés e Diego, que toparam levar esse projeto à frente porque entendem que um mundo mais equânime é melhor para todas e todos nós!

O planejar no Brasil e os movimentos sociais

1. O planejamento

Brevemente, pode-se dizer que o ato de planejar consiste em observar o passado e o presente para preparar-se para o futuro. Nessa avaliação do que já existe de evidência histórica, estabelecem-se relações de causa e consequência a fim de entender como se dão os processos analisados, sendo eles técnicos, econômicos, políticos, sociais, culturais ou ambientais. Desta maneira, assume-se um rumo a ser tomado composto por objetivos, metas e prazos e presume-se que ocorrerão determinados comportamentos (individuais, regionais, nacionais, governamentais, institucionais).

O planejamento é necessário em todas escalas, desde a individual à global, para que as tomadas de decisão tenham coerência entre si e levem à consecução de um objetivo que se julga acertado e legítimo. Agora, focando na gestão de instituições, estabelecer metas de curto, médio e longo prazos costuma ser uma prática positiva, afinal, nem sempre são as mesmas pessoas que ocupam os cargos (há rotatividade) e às vezes a perspectiva mais ampla se perde em detrimento das questões mais cotidianas. Sendo necessário então haver uma perspectiva de longo prazo nos planejamentos, é preciso também considerar que deverá haver aporte de recursos para que se alcance o que previamente se estabeleceu como desejo a ser perseguido.

Estes dois parágrafos precedentes apresentam uma visão simples e até determinista do planejamento, o que não é um problema se houver ciência de que o planejamento é um instrumento norteador, definidor e redefinidor das ações a serem efetivadas. Isto é, pode ser reajustado ao longo do tempo, desde que não se ajuste o tempo todo de forma que se faça o planejmaneto caminhar para a realidade presente, ao invés da realidade presente caminhar pelo planejamento. No setor público, torna-se ainda mais fundamental pois os cargos de tomada de grandes decisões sofrem periodicamente alterações – o que se é bom pelo lado de possibilitar a alternância de poder, por outro lado, dificulta a contiuidade de políticas públicas.

Assim, o planejamento é um importante instrumento de gestão que não deve engessar, mas nortear a ação do poder público, especialmente se considerarmos que frequentemente encontra-se a dicotomia “recursos limitados x necessitadas ilimitadas”. Porém, é preciso ter em mente que o planejamento é instrinsecamente anacrônico, tal qual a cidade Fedora de Ítalo Calvino (2003) ilustra, é uma cristalização de desejos. E como não se pode afirmar nada sobre o futuro, apenas supor; quando o futuro chega é natural que o planejamento carregue um certo ar de arcaicidade.

No centro de Fedora, metrópole de pedra cinzenta, há um palácio de metal com uma esfera de vidro em cada cômodo. Dentro de cada esfera vê-se uma cidade azul que é o modelo para uma outra Fedora. São as formas que a cidade teria podido tomar se por uma razão ou por outra, não tivesse se tornado o que é atualmente, Em todas as épocas, alguém, vendo Fedora tal como era, havia imaginado um modo de transformá-la na cidade ideal, mas, enquanto construía o seu modelo em miniatura, Fedora já não era mais a mesma de antes e o que até ontem havia sido um possível futuro hoje não passava de um brinquedo numa esfera de vidro.

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Qual teria sido o rumo da humanidade se Hitler não tivesse assumido a Alemanha?

nazistas

Destrução nazista do Instituto para Ciência Sexual e a liberdade dos homossexuais

guest post da Aline Feola

Infelizmente a historia se repete e vemos novamente fundamentalistas perseguindo homossexuais… Agora é um bom momento para relembrarmos a história!

Em 1919, o pesquisador Magnus Hirscfeld fundou o Instituto para Ciência Sexual (Institut für Sexualwissenschaft ) em Berlim. O Instituto além de possuir uma grande biblioteca sobre homossexualidade, ainda oferecia serviços médicos, psicológicos e aconselhamento sobre sexo e casamento. Hirschfeld é conhecido como o primeiro advogado dos homossexuais e dos direitos dos transsexuais. Em 1928 estima-se que haviam 1,2 milhões de homossexuais na Alemanha, diversas associações lgbts e pontos de reuniões como bares e teatros. Os homossexuais viveram dias relativamente tranquilos, até que em fevereiro de 1933, com a ascensão de Hitler e do nazismo, o comportamento homossexual se tornou proibido. Homossexuais começaram a ser perseguidos, associações foram proibidas e o Instituto para Ciência Sexual foi destruido, junto com suas 12.000 publicações e 35.000 fotografias relativas à homossexualidade foram queimadas. Em seu discurso Hitler dizia que homossexuais deveriam se exterminados. Mais de 100,000 homossexuais foram presos, os arianos eram levados a centros de reabilitação para que recebessem «tratamento» e cumprissem com a sua função reprodutiva. Após constatado que não haveria possibilidade de curá-los, os homossexuais eram castrados e enviados para campos de concentração para que fossem exterminados pelo trabalho.

Após a guerra, os sobreviventes dos campos de concentração continuaram a ser perseguidos, pois o nazismo deixou como herança o estigma da inferiodade homossexual e o governo alemão so baniu as leis contra homossexuais na década de 70.

Se quiser ter mais informações o Museu do Holocausto dos Estados Unidos possui uma página dedicada ao Holocausto Homossexual: http://www.ushmm.org/education/resource/hms/homosbklt.pdf

Why do we want to change the world?

Ainda uma página em branco sendo construída…

Accountability societária

1. O que é accountability

Quando se fala em accountability, logo se compõe um mosaico de conceitos que envolvem monitoração das atividades dos governantes pela sociedade civil1, controle social do poder público, transparência dos atos da administração pública e possibilidade de sanção, entre os principais. Para além, é muito comum empregar o termo ao se enfatizar a atividade de admistração pública no que tange à prestação de contas. Porém, já existe certo consenso que não se trata somente desse aspecto, mas também da sensibilidade das autoridades públicas em relação ao que os cidadãos pensam e desejam – sensibilidade esta que só pode ser ajustada e refinada mediante canais de diálogo entre poder público e sociedade civil.

No Brasil, especialmente após 1988 em que contamos com a aprovação da “Constituição Cidadã” que prevê instrumentos de participação, abriu-se um espaço político para práticas democráticas que aproximam o Estado do cidadão e há um esforço de comunicação de anseios da população para o Estado.

“A delegação de autoridade para os cidadãos tem o potencial de expandir accountability no nível local à medida que estes contribuem para as decisões sobre formulação de políticas públicas e trabalham no interior de comitês de monitoramento, que constituem terceiras-partes na relação entre Estado e sociedade”. (WAMPLER, 2005)

Nesse contexto vêm emergindo organizações sociais tais quais fóruns, ONGs, pastorais, etc. Esses organismos sociais muitas vezes é que têm passado a mediar a relação cidadão comum – Estado, tendo como consequência o repensar tanto dos partidos políticos (responsáveis anteriores por essa mediação), como da mídia e como também das próprias organizações da sociedade civil, quanto ao seu papel e, por que não, sua accountability.

Temos então configurada a necessidade de uma accountability societária; o que é natural dado que enxergam-se falhas de representação no Estado, vícios nas organizações partidárias, cabe averiguar se o caminho que vem sendo tomado – aglutinação em organizações sociais – consegue ou não superar as falhas de representatividade e contar com legitimidade na mediação a que se propõe. Ou seja, de acordo com Lavalle e Castello (2008)

“cabe perguntar pela qualidade ou representatividade dessa representação, pelos mecanismos que a tornam legítima não apenas em relação ao poder público, mas também em relação aos representados ou beneficiários em nome dos quais se atua ou se negocia.”.

Vale ressaltar que o conceito de accountability conta com alguns consensos mas também com bastante dissenso. Mainwaring, por exemplo, menciona responsividade e responsabilidade de funcionários públicos como um dos traços da accountability, bem como defende que deve contar com alguma forma de sanção – não necessariamente no plano jurídico (MAINWARING, 2003). Já O’Donnell defende que os mecanismos de accountability baseiam-se somente em questões de responsividade sem que haja possibilidade de sanção (O’DONELL, 2003). Neste texto, parte-se da concordância com Mainwaring de que a accountability engloba em si o binômio controle-sanção.

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Democracia no Brasil recente

Ao se falar de democracia, é impossível não abordar outros conceitos correlatos como soberania, bem como situar espacial e temporalmente esse conceito polissêmico dando-lhe locais e datas/períodos. Nesse sentido entende-se por soberania popular um povo que detém a capacidade de decidir. Para Schumpeter, no início dos anos 1930, essa capacidade tinha apenas uma dimensão e referia-se a eleger governantes, colocando assim como o foco central da soberania a formação do governo, e a democracia, como um método para isso. É nessa restrição do conceito de soberania que reside a origem do elitismo democrático que será apontado como a solução para o problema de complexificação social nos Estados.

As concepções democracia (e quais dimensões da soberania eram absorvidas) variaram com o contexto histórico , assim, vale caracterizar brevemente a sucessão deondas democráticas que ocorreram, considerando ser a onda democrática um movimento que leva diversos países a regimes democráticos simultaneamente.

  • 1ª onda
    Inspirada na Revolução Francesa, ocorre na segunda metade do século XIX e início do século XX e teve como característica, entre outras, a luta pelo sufrágio universal se espalhando pelo Europa e América do Norte. Pode ser entendida a ascenção do nazismo e do facismo como uma reação a esta onda democrática.
  • 2ª onda
    Ocorre entre o fim da Segunda Guerra Mundial e o início da década de 1960 e é marcada pela derrota do nazi-facismo em países como a Alemanha Ocidental, Itália e Áustria. Reações a esta onda democrática, com potencial de espraiamento, resultaram em golpes militares e ditaduras latinoamericanas.
  • 3ª onda
    Começa com a democratização do sul da Europa nos anos 1970, se espalha pela América Latina a partir de 1983 (com Argentina, Brasil e Uruguai) e depois propaga para a África e leste europeu no anos 1990 (após a queda do muro de Berlim). Com esta última expansão da democracia, em seu modo eleitoral, concomitante ao fim de diversos regimes autoritários também vem a crescente perda de “adesão popular às instituições representativas” seja nas democracias consolidadas, seja nas mais recentes.

As ondas democráticas não propagaram um tipo qualquer de democracia, nem um modelo flexível o suficiente que respeitasse as diversidades sociais, econômicas e culturais dos Estados. Houve sim a adoção de regimes democráticos, porém dentro de uma paradgima bem definido, seguindo uma concepção hegemônica de democracia. Essa concepção hegemônica, infelizmente mas não fortuitamente, foi construída para fortalecer um modelo democrático restrito em que o povo é soberano apenas para eleger os governos, em que não existem grandes processos participativos, ou seja, em que se estimula uma democracia de baixa intensidade.

As democracias de baixa intensidade começam a entrar em crise em meados dos anos 1960, o que levou à crise da representação, isto é, a perda do laço representante-representado. A partir de 1970 a relação entre representação e participação passa a configurar como elemento marcante nessa crise, seja para apontar as lacunas das democracias de baixa intensidade, seja para apontar caminhos de intensificação das democracias.

A seguir, são elencados e analisados elementos dessa crise de representatividade:

  • surgimento de grupos da sociedade civil por uma cidadania mais ativa
    Após a 2ª onda de democratização, em vários países observa-se o nascimento de grupos de direitos civis (Panteras Negras1 nos EUA e Northern Ireland Civil Rights Association na Irlanda do Norte, ambos nascidos em 1967), movimentos ambientalistas (WWF é fundada em 1961 no Reino Unido2 e Greenpeace em 1971 no Canadá3), movimentos sociais (movimento da pedagogia crítica no Brasil na década de 19704).
    No Brasil, temos a 3ª onda de democratizção coroada pelo fim do regime militar
    simultaneamente ao surgimento de movimentos sociais de fôlego como o Movimento Diretas Já5 (1983) e oMovimento dos Trabalhadores Sem Terra6 (1984). O primeiro culminou na aprovação da chamada Constituição Cidadã7 em 1988 (CF-88) – vigente até hoje. Vale ressaltar que a própria CF-88 aponta para um conceito mais amplo de democracia, prevendo instrumentos como Referendo, Projeto de Lei por Iniciativa Popular e Plebiscito, sinalizando de alguma forma que a participação do cidadão pode ir além do momento do voto, e com reconhecimento institucional. No entanto, esses instrumentos pouco são utilizados ou mesmo considerados como parte integante da relação governo-sociedade – sua ocorrência é exceção às atuais práticas. Desde 1998, foi realizado somente um plebiscito (1993, sobre forma de governo), um referendo8 (2005, sobre a proibição da comercialização de armas de fogo e munições) e aprovados somente quatro projetos de lei de Iniciativa Popular9 (o último foi o Ficha Limpa, em 2010). A movimentação social que foi gerada para que se conseguisse a aprovação do Projeto de Lei Ficha Limpa indica não somente demanda social por maior participação, como também uma certa necessidade de controle social (accountability) e perda de confiança nas instituições cristalizadas das democracias de baixa intensidade, fundamentadas somente na representação.
  • perda de confiança nas instituições
    Existem dificuldades metodológicas na aferição desse fato que consistem tanto na interpretação intrincada dos resultados de surveys como na quase impossibilidade de compor séries históricas mais longas com dados comparáveis. A prática de aplicação de surveys para este tipo de avaliação é muito comum em países da União Europeia ou dos Estados Unidos, já no Brasil é um método menos consagrado.
    A
    Trust Barometer10 de 2012 da empresa de relações públicas Edelman aponta que entre os latino-americanos o público pesquisado demonstrou queda na confiança nas quatro instituições pesquisadas: organizações não governamentais (queda de onze pontos), empresas (queda de dez pontos), mídia (queda de nove pontos) e governo (queda de vinte e sete pontos). De maneira geral, o Brasil apresenta queda em quase todas as abordagens do estudo, cenário que se agrava no que tange ao governo: somente 32% dos brasileiros declararam confiar no governo (em 2011 essa marca era de 85%).
    Além do Ficha Limpa em 2010 no Brasil, houve recentemente a aprovação da LAI (Lei de Acesso à Informação Pública,
    mai/2012) e o estabelecimento do e-SIC (Sistema Eletrônico do Serviço de Informação ao Cidadão) o que demostra, por um lado, pressão social e falta de confiança na “caixa-preta” do governo, por outro, fica evidente que outros caminhos estão sendo cavados por meio da sociedade civil organizada e movimentos sociais – sendo os partidos políticos cada vez menos decisivos para a prática política.
  • esvaziamento de partidos políticos
    Entre os principais motivos para tal esvaziamento estão a burocratização dos estruturas internas partidárias, o estreitamento do leque de opções políticas e as mudanças na mídia eletrônica na competição eleitoral.
    Como o
    s partidos desenharam suas próprias estutruras muito pautados pelo desenho derivadoda forma hegemônica de democracia, ou seja, elitista, representativa e de baixa intensidade, eles também entram em crise tal qual seu modelo de democracia. A tendência da democracia de audiência em que eleitores e líderes têm suas relações mediadas pelo processo midiático coloca em cheque a necessidade da máquina partidária e é viabilizada em grande medida pela mídia digital.
    No Brasil, o estreitamento do leque de opções políticas
    é perceptível principalmente nas eleições de nível federal em que, apesar de haver cerca de 30 partidos, acaba-se tendo uma bipolarização capitaneada pelo PT e pelo PSDB. Na “era FHC” o PSDB era governo e tinha uma certa base partidária / governista. Já na “era Lula/Dilma”, esses papéis se invertem mas a lógica se mantém: governo e oposição11. Fica assim num plano esquecido a plataforma programática característica de cada um dos partidos que passam a buscar o domínio das instâncias representativas em detrimento do fortalecimento da identidade ideológica com a população representada.
    Outro fenômeno brasileiro interesante de ressaltar e que corrobora para a análise é
    o movimento da ex-ministra Marina Silva para compor um novo partido, o Rede Sustentabilidade, cujo apelo está na promessa de uma organização mais horizontal e menos burocratizada e que lança mão fortemente das mídias eletrônicas para se aproximar dos eleitores.
  • declínio do comparecimento eleitoral comparativamente às duas ou três décadas no pós-guerras
    Luiz Felipe Miguel aponta exemplos em que a tendência de declínio se verifica tanto em democacias consolidadas (EUA, Alemanha, Japão) quanto em democracias menos maduras (Bulgária e Hungria). No entanto, pouco explora o porquê dessa tendência não se verificar em países como Suécia e Croácia, democracias mais e menos consolidadas, respectivamente. Este autor indica ainda que em países da América Latina é difícil detectar essa tendência devido à obrigatoriedade do voto, porém, na sequência, aponta a compilação de abstenções com votos brancos e nulos como evidência para sustentar essa afirmação e aponta isso como tendência já que em 1998 cerca de 40% dos brasileiros e brasileiras em idade de votar desprezam o direito de escoolher o presidente da República”.
    Entretanto,
    não se observa essa tendência de declínio ao analisar os dois gráficos12 a seguir que comparam o período pós-1988 com as décadas seguintes ao pós-guerra. Foram somadas as percentagens de abstenções, votos brancos e votos nulos para os anos de 1945, 1950, 1955, 1960, 1989, 1994, 1998, 2002, 2006 e 2010. Assim, quanto maior o valor dessa porcentagem, maior o desinteresse pelo processo eleitoral. Na realidade 1955 foi o ano em que esse índice foi mais alto e1989, em que foi mais baixo – o que era de se esperar visto que foram as primeiras eleições após o fim da ditadura militar iniciada em 1964 e no fervor do movimento Diretas Já e da aprovação da CF-88.

    graficos

    Embora não haja evidência de tendência de declínio do interesse pelo processo eleitoral no Brasil, ainda assim os números absolutos indicam que entre um quarto e um terço da população fica de fora ou prefere não opinar nesse processo – o que é bastante relevante.

Para a superação da crise da representação, um caminho possível e a releitura do próprio conceito de representação afim de que se recuperem os mecanismos representativos e Luis Felipe Miguel faz isso partindo da análise do poder sob três dimensões:

  • 1ª dimensão: tomar decisões
    Num leitura conformista e conservadora Wright Mills caracteriza o elitismo democrático como sendo aquele em que as decisões estão sob domínio de uma minoria, articulada no trinômio grandes capitalistas – principais líderes políticos – chefes militares. Neste caso já há uma subversão do termo elite na alcunha “democracia elitista” pois os elitistas clássicos defendiam a impossibilidade da efetivação de um regime democrático. Já Robert Dahl considera a “democracia” como ideal quase impossível de ser alcançado e prefere o termo “poliarquia” para designar a condição real e mais próxima e possível de se conseguir. Aqui está embutida a ideia de poder policêntrico, sem que se almeje o governo do povo ou o governo da maioria, mas que um governo possível é resultante das interações de diversos grupos de interesses, diversas minorias. Neste caso, um governo representativo não signifcaria necessariamente o domínio de um grupo ou maioria, mas a representação das diversas minorias. Mas este debate elitistas versus pluralistas ainda permanece centrado apenas na tomada de decisão, ignorando outros aspectos como a construção da agenda política, por exemplo.
  • 2ª dimensão: determinar a agenda política
    Trata-se de um aspecto menos mensurável que o anterior, porém não menos real ou relevante por isso. Questões políticas em que a posição da elite possa ser testada podem ficar de fora da agenda política pois essa elite exerce dominância sobre o que deve ou não ser discutido. Desta forma, o debate público fica escamoteado e as divergências não ficam explícitas, construindo-se assim falsos consensos ao invés de se trabalhar institucionalmente sobre o dissenso, de onde alguma proposta alternativa pode brotar.Percebe-se ainda que os meios de comunicação de massa exercem um papel central na definição dessa agenda, ao mesmo tempo que são difusores simbólicos de ideologia e cultura. No Brasil, os grandes conglomerados de comunicação concentram-se nas mãos de poucas e tradicionais famílias, historicamente ligadas aos governos e à sua manutenção no poder, de forma adaptativa aos regimes.Logo, algumas questões permanecem latentes nas democracias de baixa intensidade pois, na inexistência da construção pública e coletiva da agenda política, as neessidades reais continuam existindo, porém sem que haja espaço para aflorarem como debates e/ou decisões. Dado que existem instrumentos como o Referendo, a Iniciativa Popular e o Plebiscito, previstos pela Constituição Federal de 1988, um exemplo a se levantar é por que não foi objeto de Plebiscito (antes da decisão) ou de Referendo (após a decisão) a venda da Vale do Rio Doce? Para além da questão do valor ser justo ou não13, não se discutiu amplamente, sociedade e governo, o que significava em termos de soberania nacional a venda da exploração de solos e subssolo brasileiro. O governo brasileiro utilizou de sua prerrogativa representativa para empreender essa ação, que é de grande relevância nacional, e perdeu a oportunidade de dar um passo no sentido de intendificar nossa democracia.

    Essa adição de outra dimensão ao poder é necessária, mas não suficiente porque, embora considere um passo anterior à tomada de decisão em si colocando o foco na pauta, não considera algo que vem ainda antes: a cosciência de suas próprias necessidades.

  • 3ª dimensão: determinar autonomamente as preferências
    Antes da decisão, escolhe-se o que decidir. E antes de escolher o que decidir há um arcabouço ideológico que cerca e permeia os indivíduos. Estes podem suceder à reflexão crítica a respeito de sua realidade ou ao mascaramento de alguns aspectos, por manipulação de suas vontades por outrem. Em outras palavras, pode-se deixar o campo aberto ao dissenso, porém, a formação de consensos ocorrerá pela manipulação ideológica que gerará falsa consciência nos indivíduos que terão a ilusão de ter desejos contrários às suas reais vontades ou necessidades, absorvendo a cultura hegemônica da elite – ou classe dominante se se tomar um viés marxista.Um ponto fraco deste raciocínio é que pressupõe-se que um indivíduo deveria ser plenamente autônomo para determinar suas preferências sempre. Porém, há situações e contextos em que isso ou não é aceito ou não é claro, como no caso de doentes mentais e toxicônomos. Há quem defenda que doentes mentais e toxicônomos devem ser internados apenas por vontade própria, já há outra linha que defende o oposto.Recente debate sobre essa zona cinza tomou a mídia por conta da medida recente do governo paulista que autoriza a internação compulsória de usuários de crack14. Essa medida do governo do Estado foi motivada por graves problemas sociais enfrentados decorrentes da adicção à droga, porém, não foi empreendido nenhum debate público consequente em nível estadual que envolvesse a sociedade senão através da imprensa. Aqui percebe-se novamente uma democracia de baixa intensidade, com escasso espaço de articulação que possibilitasse à sociedade paulista ao menos refletir sobre as contradições geradas entre a internações compulsórias e direitos humanos. Porém, o mesmo assunto em outros locais têm sido abordados de forma a intensificar o processo democrática, como por exemplo a Câmara Municipal de Recife que convocou audiência pública sobre o tema15 recentemente.

Avritzer, por sua vez tem uma postura mais transformadora e não parte do princípio do resgate dos mecanismos representativos, mas da articulação representação-participação cujo desafio principal reside do imbricamento instiucional para que se obtenha como resultado uma democracia de alta intensidade. Para isso, delineia três guias para a institucionalidade participativa:

  • assembléias regionais
    Trata-se da participação direta dos indivíduos, num formato aberto, em que os membros definem as regras de funcionamento (debate e deliberação).
  • principio distributivo
    Reflexão sobre a capacidade de reverter desigualdades no que diz respeito à oferta dos bens públicos.
  • compatibilização entre participação / deliberação e o poder público
    Como instâncias como aessembléias, conselhos ou conferências são capazes de deliberar sobre e prorizar matérias que até então eram de escopo exclusivo da estrutura governamental.

Na intenção de promover a participação aberta e equânime a todos cidadãos no processo democrático, de forma a resgatar o conceito mais amplo de soberania, é possível a adoção de alguns mecanismos de intensificação da democracia tais como:

  • orçamento participativo, cujo objetivo é decidir sobre a destinação da verba pública através de processos da participação da comunidade. Inicialmente adotado em Porto Alegre, já figura em Santo André (SP), Aracaju (SE), Blumenau (SC) , Recife (PE), Olinda (PE), Belo Horizonte (MG) Atibaia (SP), Guarulhos (SP) e Mundo Novo (MS).
  • audiências públicas, cujo objetivo é promover o debate envolvendo a comunidade acerca de temas de relevância. É um instrumento de larga utilização bastante devido à seu caráter não-deliberativo mas consultivo. Recentemente em São Paulo uma pauta que tem mobilizado bastante gente é o Metrô 24h que foi tema de audiência pública em março/2013 e que tem desdobramento em dois projetos de lei que estão na Assemblei Legislativa do Estado.
  • conferências são instrumento de fomento à participação social, com a finalidade de institucionalizar a contribuição da sociedade nas atividades de planejamento, gestão e controle de uma determinada política ou conjunto de políticas públicas. Recentemente duas conferências que tiveram destaque nacional foram a Confecom (Conferência Nacional de Comunicação) e Consocial (Conferência de Transparência e Controle Social) que contaram com etapas estaduais além da nacional.
  • conselhos são compostas por represenantes do goveno e por representantes de entidades e movimentos de uma determinada área (educação, saúde, segurança, etc.) cujas competências geralmente são aprovar e acompanhar execução orçamentáriao orçamento da saúde assim como, acompanhar a sua execução orçamentária.
  • referendo, inicativa popular e plebiscito são mecanismos de consulta popular a respeito de uma determinada matéria ou tema específico. No referendo a consulta ocorre após a promulgação da decisão para que a população ratifique ou não a decisão do governante. No plebiscito essa consulta é feita previamente a qualquer decisão. E a iniciativa popular possibilita que, mediante uma quantidade mínima de pessoas signatárias – que é arbitrada como razoável na lei – ela seja encaminhada para votação nas casas legislativas.
  • marchas e manifestações são auto-organizadas, em geral, por segmentos específicos da sociedade como a Marcha Mundial das Mulheres, a Marcha dos Trabalhadores Sem Terra, ou ainda as manifestações de professores por melhoria na educação e nas suas condições de trabalho.
  • utilização de meios digitais para promover participação como é no e-SIC (Sistema Eletrônico do Serviço de Informações ao Cidadão) que permite que qualquer pessoa, física ou jurídica, encaminhe pedidos de acesso a informação para órgãos e entidades do Poder Executivo Federal. Isso melhora a transparência do poder público e inspira maior confiança nas instituições.

A democracia representativa não surgiu para resolver o problema de escala em grandes Estados ou complexificação da sociedade moderna e teve por consequência um indesejado – para o povo – efeito colateral que foi a restrição da soberania. Na realidade, a democracia de baixa intensidade nasce com intento de apartar a população do governo, mantendo este na área de influência direta das elites históricas dos países. Ora o motivo que justifica a manutenção da restrição participativa refere-se à escalabilidade, ora o motivo passa a ser a necessidade de indivíduos bem preparados para ocupar cargos públicos.

A “necessária preparação técnica” do gestor público foi o ponto central do debate nas eleições presidenciais em que Lula esteve envolvido, pois simbolicamente pairava no imaginário popular ser impossível aceitar que uma pessoa sem a devida educação formal fosse ser um líder adequado para a representação de um país. Essa agenda foi construída pelos grandes meios de comunicação que reforçavam (e ainda reforçam)a imagem de um Lula semi-analfabeto16 e até como uma “anta”17, o que o compremetia do ponto de vista de mérito necessário para exercer um cargo eletivo e representativo.

Desta maneira, percebe-se que as democracias representativas produzem uma ideia de que existe um patamar de igualdade entre os cidadãos, assim, os que desejam candidatar-se a cargos eletivos devem ser preparados e contam com todas oportunidades de ser devidamente qualificados e só não o são por negligência ou ainda reforça a percepção irreal de que os eleitores desfrutam de equânime quantidade e qualidade de informaçôes para fazerem devidamente e racionalmente seus julgamentos. Só que na prática as pessoas nascem em determinado local, contexto social, cultural, econômico e político e não se deparam com as mesmas condições de oportunidades para que tenham real liberdade de escolha. Essa pseudo-liberdade de escolha ocorre no momento da eleição – a tão propalada “festa da democracia” – em que os cidadãos não escolhem quem de fato acham que melhor representará seus interesses, mas reagem à oferta apresentada pelos partidos e mediada pelos meios de comunicação de massa, ambas intituições que têm interesses diretos nos resultados das eleições e que possuem diferentes penetrações nos diferentes segmentos sociais.

As democracias atuais, inclusive a brasileira, acabaram por não cumprir sua promessa principal tal qual propagandeada, a lembrar, o governo do povo. Isso porque há muito tempo já se pressupôs uma soberania tolhida pelo elitismo democrático que hipertrofiou o mecanismo da outorga representativa em detrimento de outros possíveis – resultado da adoção de um conceito hegemônico de democracia, que pouco espaço deu a outras expressões. A prevalência da concepção hegemônica elitista de democracia acaba por acarretar, entre outros aspectos, a valorização positiva da apatia política e não responde bem à representação das diferenças, especialmente se forem minorias e/ou grupos com agendas específicas.

Assim configurada a democracia de baixa intensidade – também no Brasil – percebe-se então a degradação das práticas democráticas e a consequente crise da representação. Como possíveis formas de superação, Luiz Felipe Miguel indica três principais caminhos para recuperação dos mecanismos da democraica representativa: cuidado na formaçãoda agenda, acesso aos meios de comunicação de massa e acesso às esferas de produção de interesses coletivos. Leonardo Avritzer, por sua vez, aponta por sua vez que para melhorar a crise da representação é necessário articula-la à participação trabalhando em três níveis: participação local, relação participação-representação e a qualidade do sistema político como um todo. Cohen, apresentado por Claudia Fares, coloca a poliarquia diretamente deliberativa que procura oferecer ocasiões de institucionalização para a participação dos cidadãos quando duma decisão coletiva. E corroborando para a linha da democracia deliberativa, Bohman propõe a deliberação dialógica que se daria pela cooperação contínua promovida por meio de processos deliberativos justos e inclusivos.

Indo do espectro de uma postura mais reformista até uma mais ousada, há um cerne comum aos autores que reconhecem o insucesso da democracia de baixa intensidade: a necessidade de sua superação passando necessariamente pela maior participação da sociedade tanto na nível de consulta, como no nível de deliberação e controle social e acompanhamento da implementação das políticas públicas.

Constata-se cada vez mais que as instituições atualmente privilegiam determinados interesses, que há pouco espaço de participação para o cidadão comum, que pouco a sociedade influencia a condução dos negócios públicos e que a democracia representativa, portanto, pouco representa, perdendo gradual e incessantemente legitimidade. Desse diagnóstico nascem as reações, as mobilizações e, talvez, estejamos agora vivendo não mais uma onda democratização, mas uma onda de intensificação da democracia dado que surgem em vários locais diferentes do país iniciativas que visam o empoderamento do cidadão e o resgate do ideal de soberania como expressão da vontade de todos.

A adoção de mecanismos – nem todos perfeitos ou absolutamente bem sucedidos, mas que avançam no sentido de fortalecer a participaçãoé fundamental para remodelar nosso paradigma democrático. Instrumentos como orçamento participativo, audiências públicas, conferẽncias, conselhos, referendo, inicativa popular, plebiscito, marchas, manifestações e utilização de meios digitais para promover participação devem ser considerados na míríade de possibilidades de participação popular quando da composição de uma nova gramática democrática. O que permanece ainda por resolver é o grau de deliberação que pode / deve ser conferido a cada um dos instrumentos e como gerir as deliberações que daí surgirem, atentando sempre para previnir a cooptação, promover a inclusão e garantir o respeito à pluralidade e às minorias.

 

Referências bibliográficas

AVRITZER, Leonardo. 2007. “Sociedade Civil, Instituições Participativas e Representação: Da Autorização à Legitimidade da Ação”. DADOS – Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Vol. 50, nº 3: pp. 443-464.

AVRITZER, Leonardo. 2012. “Conferências Nacionais: Ampliando e Redefinindo os Padrões de Participação Social no Brasil”. Rio de Janeiro

FARIA, Claudia Feres. 2000. “Democracia delibertaiva: Habermas, Cohen e Bohman”. Lua Nova. São Paulo: Cedec, nº 49: 47-68.

LÜCHMANN, Lígia Helena Hahn. 2007. “A representação no interior das experiências de participação”. Lua Nova. São Paulo: Cedec, n. 70: 139-170.

MIGUEL, Luis Felipe. 2003. “Representação Política em 3D – Elementos para uma teoria ampliada da representação política”. RBCS: Vol. 18, no . 51, 123:193.

SANTOS, Boaventura de Sousa; AVRITZER, Leonardo. “Introdução: para ampliar o cânone democrático”

TEIXEIRA, Ana Claudia Chaves, (Org.). 2005. “Os sentidos da democracia e da participação”. São Paulo: Instituto, Pólis, 2005. 128 pp.

 

Notas:

1http://en.wikipedia.org/wiki/Black_Panther_Party

2http://wwf.panda.org/who_we_are/history/sixties/

3http://www.greenpeace.org/international/en/about/history/

4http://pt.wikipedia.org/wiki/Pedagogia_crítica

5http://pt.wikipedia.org/wiki/Diretas_Já

6http://www.mst.org.br/especiais/23/destaque

7http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao/Constituicoes_Brasileiras/constituicao-cidada

8 http://pt.wikipedia.org/wiki/Referendos_no_Brasil

9 http://pt.wikipedia.org/wiki/Iniciativa_popular

10 http://trust.edelman.com/about-trust/

11 http://radarparlamentar.polignu.org/analises/analise/cdep/ – Este aplicativo utiliza os dados das votações da Câmara Federal de Deputados para traçar semelhança entre partidos – é possível observar visualmente que ocorrem geralmente dois pólos nos anos eleitorais: o da base do governo e o da oposição ao governo daquele momento.

12Dados do Tribunal Superior eleitoral (http://www.tse.jus.br/) compilados em tabelas e consolidados nos gráficos apresentados.

13 http://www.sasp.org.br/index.php/notas/124-venda-da-vale-do-rio-doce.html

14 http://revistaforum.com.br/spressosp/2013/02/crack-medida-de-internacao-compulsoria-de-alckmin-completa-um-mes/

15http://maisab.com.br/tvasabranca/inaldosampaio/2013/04/26/camara-promove-audiencia-publica-sobre-internacao-compulsoria-de-dependentes-quimicos/

16http://veja.abril.com.br/blog/ricardo-setti/politica-cia/nao-eu-nao-me-orgulho-de-ter-um-presidente-semi-analfabeto/

17http://www.livrariacultura.com.br/scripts/resenha/resenha.asp?nitem=2223198

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